Hoje eu saí mais cedo do trabalho. O trânsito flui, mesmo num fim de tarde de sexta-feira. Maravilha! Ao chegar à estação Marechal Deodoro do Metrô, uma muvuca… o trem às escuras, abarrotado de gente. Tá, vamos esperar. Todo mundo reclamando. Tava calor ali embaixo da terra.
Uma voz ecoa pela plataforma: usuário na via, na estação Belém, linha vermelha – a mesma em que eu estava. Muito estranho ouvir essa expressão “usuário na via”.. É um dos maiores eufemismos já criados! Tão eufemístico que as pessoas se esquecem de que ele pode significar que alguém caiu, se jogou, morreu. Tão eufemístico que não impede as pessoas de pensar e dizer “poxa, mas tinha que se jogar logo agora???”. A pressa insensibiliza o ser humano.
Fiquei, sei lá, uns 15 minutos nessa, esperando o trem voltar ao normal. Achei engraçado ficar indiferente à situação, ouvindo música esperando desocuparem a linha. Cheguei a pensar, de raspão, em como seria presenciar a via invadida por um usuário. Será que a gente esqueceria a pressa? Choraria? Entraria em choque? Olharia pro lado com uma cara enfadonha e repetiria “poxa, mas tinha que se jogar logo agora”?
Tudo voltou ao normal: o trem acendeu suas luzes, as pessoas se acotovelaram para entrar, todo mundo se esmagou e o trem foi andando de vagar (“com velocidade reduzida”) em direção à estação Sé. Cheguei. Logo estou em casa. Logo veio o trem da linha azul. Nem reparei nas luzes se aproximando. Só ouvi o estrondo. Pronto, explodiu alguma coisa no trem… Um dia, vi um vagão soltando um monte de fumaça. Gritaria. Os olhares procuram os trilhos.
Descobri como eu ficaria se presenciasse alguém se jogando na linha do trem. Paralisei. O primeiro vagão mal despontou na plataforma. Tinha alguém debaixo dele. Tinha alguém debaixo dele!
Foi horrível essa sensação de estar no mesmo lugar, na mesma hora em que alguém decide tirar a própria vida. Eu não vi a coisa acontecendo. Uma das testemunhas oculares estava praticamente em estado de choque, chorando, quando foi amparada por uma funcionária do Metrô.
Daí em diante foi um circo. Pessoas se amontoando para estar perto da morte. Será que não dá pra ver um braço, um filete de sangue? Nem quando os funcionários do Metrô pediram, a galera se afastou. Para formar um corredor que desse espaço para remover a vítima foi um sufoco. Era um em cima do outro, celulares e máquinas fotográficas na mão, disputando espaço. O funcionário do Metrô até pediu para que desligassem os aparelhos. Que nada.
Na hora em que o resgate passou com o corpo deitado na maca, lá estava um cara filmando. Estava tão inconformada com a reação das pessoas que decidi abordá-lo. “Posso te perguntar uma coisa? Por que você acha legal filmar esse tipo de coisa???” O que ele me disse? Que gostava de ver ações de resgate. Tá loco!
Eu vi uma mulher rindo (rindo, já imaginou?! Da situação mesmo, eu vi e ouvi!). Vi pessoas se vangloriando em dizer “eu estava lá” para aquelas que desciam as escadas rolantes quando a cena já havia acontecido. Curiosos e mais curiosos. Parecia que ia passar o Papa pelo corredor improvisado. Não. Ia passar um corpo (com ou sem vida?) de um homem (ou será uma mulher?) que não interessava a ninguém. Nem seu nome, nem sua história, nem seus porquês.
Na minha cabeça, passou um turbilhão de perguntas. Será que ele ou ela tem filhos? Por que será que perdeu a fé na vida??? Por que desistiu? Desemprego? Desamor? Desespero? Decisão? Des….
Quando cheguei em casa, procurei nos sites de notícia alguma informação sobre os incidentes da noite (apenas meia hora entre um e outro). Não vi nada no G1. Na Folha Online, a manchete era “Usuários enfrentam atrasos nas linhas 1 e 3 do Metrô em SP”. Só. Tudo bem, não daria tempo de saber nomes e histórias para publicar uma nota sobre o assunto tão rápido. Mas me revolta o fato de que a notícia nessa noite foi o atraso nos trens.
Até dei uma busca em notícias antigas. Em 2008: Duas supostas tentativas de suicídio causam transtornos no Metrô de SP. Em 2009: Suicídio para circulação em trecho do metrô de São Paulo por 14 minutos. É, a perda de tempo é mais importante (ou de interesse público) que uma vida perdida. É “prestação de serviço”, afinal.
Isso me lembrou um texto que li hoje, para o TCC. O autor falava sobre as rádios de notícia comerciais, que só se dirigem aos ‘ricos’ (eu diria egoístas, insensíveis e conservadores) e, por isso, seleciona informações e abordagens voltadas aos interesses e preocupações desse público. “Assim, em São Paulo, as rádios informativas abordam a greve nos transportes públicos a partir dos transtornos que vai causar no trânsito de automóveis”, me dizia o autor, em claro tom de crítica. E ele estava certo, infelizmente. Com rádios, jornais, sites noticiosos. Aparentemente, ao seu público só interessa saber quantos minutos do relógio o raio do suicida roubou. Esse é o critério da notícia…
* * *
Eram dois homens. O primeiro morreu… O que dividia comigo a plataforma do Metrô foi socorrido com vida. Mas isso não muda o fato de que ele queria que essa fosse uma noite de luto. No que será que eles estavam pensando?
Triste… Como vc falou, as pessoas gostam de estar perto da morte. Presenciar, ver, apurar o máximo de informações possíveis e espalhar para o mundo “Eu vi”.
Talvez faça parte do ser humano, ou sei lá.
É verdade, Alexia. Também tenho essa impressão de que o ser humano se sente naturalmente atraído por cenas como essa…. Elas chocam, incomodam. Isso pode gerar várias reações. Como me disse um amigo meu, “tentar entender a morte é inerente à natureza humana”.
A minha forma de externar foi essa aqui, escrevendo esse post. Eu não teria coragem de sacar uma câmera ou de olhar como se fosse simplesmente curioso…
Realmente muito triste.
Eu estava dentro do trem na estação Sé quando o rapaz, com deficiente física, caiu (ou se jogou) na via.
Escutei o estrondo assim que o trem entrou na plataforma, e segundos depois uma barulho estranho embaixo do trem, como se um “pneu” tivesse furado…
Que sensação horrível, no momento não me passou pela cabeça que alguém pudesse estar lá embaixo, até que um ser comentou: “Ah, alguém deve ter se jogado…”
Aí é que o aperto no peito aumentou, uma garota em pânico, do lado de fora do trem começou a gritar e chorar desesperadamente. Eu, encostado na porta olhei para trás e o que vejo no chão (na plataforma) ?, as muletas do rapaz que naquele momento estava embaixo do trem…
Lamentável… pior de tudo é ter ouvidos para escutar as pessoas com comentários infames e medíocres: “Mas que droga, pq esse cara não se matou na casa dele?”, “Poxa vida, pq não tomou veneno ou invés de vir aqui atrapalhar…”
E ainda fui obrigado a escutar uma pessoa dizer que o cara que se mata é individualista, egoísta, que não pensa nas pessoas…
Ah, vá a m*** né?
Quem é que sabe oq se passa na cabeça de alguém perturbado a ponto de tirar a própria vida? Se é que foi isso mesmo que aconteceu…
Está mais que na hora de colocarem aquelas portas de vidro para proteção. Não só pelo fato de pessoas se jogarem ali, mas tbm pelo risco de acidentes que há na hora do empurra-empurra do embarque…
Sei que, a volta pra casa na sexta-feira foi triste, sem clima pra Happy Hour, balada ou qualquer outra coisa …
muito fácil rir das desgraças alheias !