Você já foi à feira? Parece óbvia a minha pergunta, mas não é bem assim. Comprar coisas na feira é diferente de ir à feira, conhecê-la. Algum tempo atrás, eu fui de fato à feira. Com uma câmera na mão, disposta a captar cenas e ângulos diferentes; disposta a registrar beleza entre uma barraca e outra para o meu trabalho final de fotografia da faculdade. Deu certo, mas só porque eu levei a tiracolo uma guia mais do que especial: minha avó, Glória.
Não que ela seja uma grande “especialista” em feiras. A diferença é que estar com ela deu mais cor e sabor a essa saída fotográfica. Com sua simpatia, sua espontaneidade, ela ajudou a espantar sentimentos de vergonha e desconfiança, e eu pude retratar uma feira orgulhosa de si – e de estar diante de uma câmera, como motivo, razão e circunstância. “Vai sair na Record, moça?” “Tira foto de mim também, ô dona jornalista!” “Você não quer levar essa foto pra sua faculdade não, ver se eu arranjo uma namorada?”. Eu, que achei que seria difícil conseguir pessoas dispostas a serem fotografadas, acabei mergulhando numa verdadeira diversão. Minha avó abre portas. Ela é assim. Sabedoria de longos anos bem vividos não tem preço. Não há faculdade que possa subestimar esse valor.
Me apaixonei pelos sorrisos que encontrei, pela vida pujante que pude guardar nas fotos reveladas. Mas o que mais me encantou nessa experiência foi a troca entre eu e minha avó. Enquanto eu falava de ângulos, luzes e fundos, a “Dona Glória” foi me mostrando como chegar com jeitinho nas pessoas e conquistar simpatia e confiança para fazer um trabalho mais humano. Quando estou por minha conta, a falta de jeito e a vergonha é tanta que, às vezes, o trabalho trunca, não flui e eu acabo perdendo boas chances de captar os filetes de vida de escorrem aqui e ali, e que forma a um bom trabalho jornalístico.
A participação da minha avó foi tão importante que dediquei o álbum de fotos a ela e lhe dei de presente. Por isso, foi com bastante jeitinho (não podia deixar de ser) que ela veio me contar na sexta-feira passada que resolveu separar algumas fotos do álbum e levar para o pessoal da feira. Acho que ela pensou que eu não iria gostar… Mal sabe ela que, nesse dia, ela me deu mais uma lição. “É que, assim – eu pensei –, eles vêem que o trabalho foi mesmo feito e criam confiança caso uma outra pessoa queira fotografá-los”, disse-me ela, esboçando um sorriso ao relembrar as reações de espanto e de alegria de cada um, ao ver seu próprio rosto materializado num trabalho artístico – sim, existe beleza na feira, no cotidiano dessas pessoas. Além de felizes, elas, certamente, se sentiram respeitadas, reconhecidas, consideradas.
Taí uma coisa que todo jornalista/fotojornalista deveria fazer: dar um retorno a quem entrevista, a quem registra. Raramente vejo profissionais e alunos com essa preocupação. Os personagens acabam virando objeto. Não pode ser assim. Isso, quem me ensinou de verdade não foi a ECA, nem os estágios que fiz. Foi a sabedoria de um par de olhos de 67 anos que aprendeu a ver a vida pela perspectiva da alma. Minha avó não sabe manusear uma câmera, mas sei que, durante esses anos, fez os mais belos, mais sinceros e mais genuínos registros.