Minhas Folhas de Relva

percepções do cotidiano em letras livres

Mundão véio sem portera – parte 1 24/03/2010

Rally da Safra 2010

Eu não gosto de poluição. Não gosto do horizonte limitado e cinza. Mas, há uma semana atrás, quando desembarquei no aeroporto de Congonhas, inspirei com satisfação o ar sujo de Sampa. Querendo ou não, ele tem cheiro de lar. Esperei até que eu fosse tossir ou que minha rinite atacaria, depois de passar oito dias percorrendo um Brasil azul e verde, que não tem prédio, mal tem asfalto e tem o maior céu que já vi na minha vida.

Esse Brasil tem o endereço do Cerrado. Quero dizer, Cerrado mesmo eu mal vi. Uma árvore retorcida aqui e ali. Quase tudo caiu para dar lugar a quilômetros e mais quilômetros de lavoura. Soja, milho, soja, algodão, milho, soja, café, soja, soja. Às vezes, umas cabeças de boi, de caprino… E mais soja! É cruel e ao mesmo tempo bonito. Aquele tapetão verde a perder de vista, que fica mais bonito aos olhos dos agricultores quando fica cor de ferrugem, seco seco, mas pronto pra ser colhido e dar início a um novo ciclo. Bonito Colheitaver estampado nos rostos queimados de Sol o carinho que os produtores – P, M e até G, se bobear – têm pela vida que a terra dá e que lhes dá a vida.

Cheguei em Goiânia no dia 9 de março para fazer parte da sétima equipe do Rally da Safra 2010, uma expedição promovida anualmente pela empresa de consultoria em agronegócios Agroconsult para fazer um levantamento privado das lavouras de soja, principalmente, e também de milho nas principais regiões produtoras do país: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, Oeste Baiano, Tocantins, Piauí, Maranhão. No total, foram 50 mil quilômetros percorridos – desses, eu fiz parte de uns 2.500 quilômetros, em uma conta modesta.

Embarquei nessa (e sem butina!) como repórter da Revista Globo Rural, na qual trabalho, e, principalmente, como Contagem de vagemcuriosa pelo mundo da agricultura, por aquilo sobre o qual eu já havia até escrito em uma nota ou outra sobre mercado, sobre commodities, sobre perdas e ganhos de safra, mas nunca havia sentido de verdade.

Entre um “galho” e outro (foi assim que uma goiana nos explicou como seguir por um trevo), passei por Senador Canedo, Silvânia, Vianópolis, Orizona, Pires do Rio, Ipameri e Catalão (onde visitei meus tios paternos, Milton e Helena!). Por Araguari, Uberlândia, Indianópolis, Nova Ponte, Perdizes, Patrocínio, Patos de Minas, Varjão de Minas, Lagoa Grande, Paracatu, Cristalina. Por Unaí, Luziânia, Brasília, Planaltina, Formosa, Posse, Rosário, Correntina, Roda Velha, São Desidério, Luis Eduardo Magalhães (ou LEM) e Barreiras. Ufa! Tudo isso entre Goiás, Noroeste de Minas e Triângulo Mineiro, e Oeste da Bahia. É chão pra mais de metro, como diriam os mineiros…! Pra mais de quilômetro, pra mais de muitos hectares.

Estrada Novo Horizonte / BA

Cada dia dormindo num hotel diferente, numa cidade diferente. Acordando às 6h30, chegando do rally às 20h, caindo de sono depois da janta. Mas antes a mala já tinha que estar pronta para o dia seguinte. Mesmo chapéu (que mudou de cor ao fim da viagem), mesma calça jeans empoeirada, mesmo tênis sujo e ainda agarrado por alguns carrapichos insistentes. Ainda bem que eles deram uma camiseta para cada dia!

A rotina era pesada, mas dá para resumi-la em muitas horas dentro da pick-up, outras tantas marcando ponto no GPS, contando pés, vagens e grãos de soja, debulhando milho, pesando e medindo a umidade dos grãos, coletando folhas para ver se a lavoura era transgênica ou não (num passe de mágica, a fitinha acusava um organismo geneticamente modificado, nos mesmos moldes dos testes de pH de piscina), anotando tudo na “boleta”. Se a palavra que usei antes, “resumir”, pode dar a impressão de coisa pouca, que nada! O trabalho era mais mecânico mesmo, mas entre um pé e outro de soja e milho aprendi a identificar doenças, a ver quando uma lavoura está boa ou não, a reconhecer o estádio (é assim mesmo que se escreve) da soja. Cheguei até a chutar alguns níveis de produtividade! Praticamente, um curso intensivo de técnico em agronomia.

No fim, fiquei com carrapicho preso na calça por dias (era tanto carrapicho que cruzava o nosso caminho – ou melhor, nós cruzávamos o deles… – que o próximo projeto do fotógrafo Marcos Campos será filmar o curta-trash “Carrapicho Maldito”, com direito a sangue de catpchup e tudo o mais rs). Também levei picada de insetos e ganhei alergia nos braços por causa do pólen do milho. Ouvi sertanejo e brega o tempo todo. Fiquei com uma saudade dos meus pais e da minha casa sem precedentes. Conheci gente e dei muita risada pelo caminho. Me irritei calada e aprendi muito ouvindo. Rezei para não atolar nas estradas abandonadas da Bahia, mas me diverti vivendo momentos de verdadeiro rally (sério! o nível de emoção foi tanto meus órgãos internos trocaram todos de lugar, os vidros ficaram com-ple-ta-men-te cobertos de lama e a caminhonete chegou a rodar na estrada! Medo!). Aprendi a admirar o campo e me maravilhei com os fins de tarde, quando dava para reparar que o céu nessa parte do Brasil não é o limite, de tão maior que ele parece! Durante esses dias, eu que fui a caipira, no meio de agrônomos que não entendiam porque eu fiquei tão espantada ao ver uma arara azul voando tão perto, tão despreocupada.

Foi, de fato, uma experiência e tanto! Daquelas que eu sei que, muito provavelmente, não terei oportunidade de experimentar outra vez. E por isso a vivi com bastante intensidade. Sem reclamar do calor, da comida ruim na beira de estrada, dos insetos, da canseira. Até porque, tudo isso faz parte e, numa esquina ou outra daquele mundão velho sem portera, eu acabava surpreendida. Senão pelas belas paisagens (como os chapadões e os rios cristalinos da Bahia), pelo menos pela minha disposição em viver da terra por alguns dias.

* * *
(Essa história continua…)

 

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