O homem de uns 40 e poucos anos entrou na fila indignado. “Como assim tem que fazer carteirinha para entrar na Biblioteca?!!!” Ele só queria dar um passeio com sua filhinha de 4 anos em meio a pufs coloridos, computadores e um monte de livros. Sua indignação ficou pior quando minha mãe perguntou se ele havia trazido comprovante de residência. “Precisa, é??? Não acredito numa coisa dessas…”
No feriado de Tiradentes, o Parque da Juventude (onde ficava o Carandiru) estava lotado. E a Biblioteca de São Paulo virou atração turística. Um bocado de gente querendo entrar para ver esse espaço de primeiro mundo construído em plena terceira divisão! O prédio retangular e comprido, com vidros estilisados na fachada e uma decoração colorida, chama a atenção de quem nunca viu uma biblioteca desse jeito na vida. Com cara de livraria, mas onde tudo é de graça. É nosso.
Além do pai meio careca com sua filha de 4 aninhos, estava eu e minha mãe, um casal de jovens namoradas, uma moça de chinelas gastas carregando um bebê no colo e sua filha ao lado, um grupo de “japas” idosos, mais duas amigas descoladas. E mais algumas pessoas que não lembro como descrevê-las. A fila não era muito grande, mas não andava nunca. Algumas pessoas até desistiram no meio do caminho…
A história toda é a seguinte: até pouco tempo atrás, a circulação pela biblioteca era livre para quem quisesse conhecê-la, apenas. Massss… foram acontecendo problemas, pessoas pegando livros sem estarem registradas no sistema, pelo que me contaram. Daí então resolveram burocratizar toda a coisa: só entra quem tiver carteirinha. E só faz carteirinha quem tiver RG e comprovante de residência em mãos. Ah, lascou! Como eu moro perto de lá, voltei com a minha mãe para buscar uma conta de luz. Mas e quem não mora perto, perde a viagem??? Achei absurdo isso… Como assim limitar o acesso das pessoas??? Até entendo que podem ter ocorrido problemas, mas não é assim que se resolve.
Assim também pensava o pai da menina de 4 aninhos. Deu para ver no semblante dele a vontade de “chamar o gerente” e fazer pirraça. Minha mãe, toda conciliadora, foi logo contando para ele as explicações que nos deram para tal procedimento burocrático em plena quarta-feira de feriado ensolarada. O homem ainda não se conformava. “Tá vendo, quando uma criança que ir numa biblioteca passear, acontece isso, tá loco….”. A menininha fazia bico. “É filha, a gente volta outra vez”, disse, ainda irritado. “Nãããããããoooo…..” rebateu a pequena, com mais bico e cara de choro.
Um moço de colete vinho dava informações para os visitantes, explicava as novas regras, a contragosto das pessoas. Parecia simpático no seu uniforme. Até que chegou a vez do grupo de japas idosos saberem por que não poderiam entrar. Papo vai, papo vem (nem sei se em português…rs), eles conseguiram autorização para conhecer a biblioteca, finalmente. Deviam ter vindo de longe. E eram velhinhos, seria um absurdo fazê-los dar meia volta…
O homem de 40 anos com sua filhinha ainda reclamava atrás de nós. A menininha insista em ficar, queria porque queria entrar na biblioteca, vejam só! E não aceitava que fosse em outro dia. Minha mãe abriu a boca, de novo em tom conciliatório e, agora, também bem humorado, para tirar a sisudez da cara do careca de meia idade e acalmá-lo. “Pede para aquele moço de colete explicar para a sua filha por que ela não poderá entrar na biblioteca hoje, explicar o que é a burocracia…. [risos]. Aí ela faz o que as crianças sabem fazer melhor. ‘Buáááááááááá'”. Pronto, abriu-se um sorriso na cara do pai. Da filhinha também. Seus olhinhos azuis brilhavam enquanto ela se balançava agarrada no braço do pai. Devia estar pensando que a tal “burocracia” era nome de bruxa de contos de fada. E que minha mãe e seu pai falavam grego enquanto ela já não aguentava mais ficar em pé para sentar nos pufs coloridos da biblioteca.
Por fim, a dona conciliadora sugeriu “vai lá, conversa com o moço de colete. Explica para ele…”, estimulada pela experiência de sucesso do grupo de japas velhinhos. Depois de alguns minutos, o careca de meia idade tomou coragem e foi. “Eu guardo seu lugar aqui, qualquer coisa”. Papo vai, papo vem, explicação vai, explicação vem…. Shazan! Ele voltou todo feliz, com a autorização para menores de 10 anos nas mãos e o crachá de visitante adornando o peito.
Em cinco minutos, minha mãe desarmou um pai prestes a reclamar com Deus e o mundo – e prestes a continuar sem resolver seu próprio problema. Prova que cabeça fria é o melhor remédio. E nem foi preciso contar histórias de burocracia (ou seria “burocarochinha“?) para criança dormir…
[…] mesmo! Gostei! Depois de um contratempo burocrático (que merece um post só para ele – leia aqui), entramos na livraria – quero dizer, biblioteca (de fato, parece). Lá, há uma área só […]