O céu tem o poder de me fazer sair do meu próprio corpo. Quando paro, de fato, para olhá-lo e tentar encontrar as Três Marias, depois o Cruzeiro do Sul e, então, admirar indefinidamente cada ponto brilhante, eu consigo me desligar do mundo.
Estive na Bahia de Todos os Santos (ainda que eu não acredite em nenhum) nessa semana. A trabalho. Nem por isso ruim. Ao contrário. Foi uma experiência incrível. Descobri e entendi muitas coisas nesses três dias de viagem. Não fui à praia. Não tomei Sol. Não passei a tarde em Itapuã. Como disse, estava a trabalho, para conhecer um projeto no semi-árido baiano. Estar longe da praia era necessário. Mas não desisti de tentar ao menos ver o mar, senti-lo nem que de longe.
No último dia da viagem, chegamos bem tarde à Salvador. Com tempo só de lavar o pé e o rosto para jantar e, então, dormir para acordar às 5h30 e partir para São Paulo. Jantamos calmamente, apesar do tempo apertado, num delicioso restaurante japonês. Voltamos ao hotel já passava da meia-noite. Dava para ouvir o barulho do mar quebrando ali pertinho. O hotel era “pé na areia”. E tinha aquelas piscinas cuja água parece se confundir com a prima salgada do mar. Não resisti.
Fui ao deck e me deparei com aquele marzão todo… poucas luzes… ondas quebrando forte nas pedras… estrelas entremeadas por algumas nuvens… aviões rasgando o céu noturno (deviam levar jornalistas como eu, e turistas, e gringos, e executivos e parentes distantes). Só sei que me deitei à 1h30 da manhã. Por mim, teria dormido ali mesmo.
Naquele momento, de madrugada, consegui sair de mim, como não acontecia há muito tempo. Deixei a brisa do mar, fresquinha, bater nos meus braços abertos. Contemplei por um tempo aquele infinito azul marinho, ergui meu rosto até as estrelas, sorri e agarrei a imagem com meus olhos fechados. Fiquei assim por um bom tempo. Braços abertos, olhos fechados. Agradeci. Agradeci a Deus por tanta beleza, por tanta simplicidade. Agradeci por estar ali, por estar viva, por estar disposta. Agradeci pelo dia de trabalho tão cheio de coisas para aprender. Agradeci.
Quando voltei a abrir os olhos, mirando o céu, me lembrei do pedido que fiz à primeira estrela cadente que vi na vida. Eu estava em Maresias com duas das minhas melhores amigas. Só nós na praia, deitadas e despreocupadas se o cabelo e o short ficariam lotados de areia. Naquele dia eu também saí de mim. Era julho de 2007. Início de uma das melhores viagens que fiz na vida. Um dos momentos de maior completude.
Quando aquele fio prateado cruzou o céu, eu fiquei embasbacada! Ei, eu vi uma estrela cadente! Uma estrela cadente!!! O que eu faço agora??? Ah sim, o pedido, faz logo!!! Fiz. Que responsabilidade!….rs. Nem me lembrava mais desse momento. Voltou à minha memória naquela madrugada em frente à praia em Salvador. Lembrei-me do que pedi. E de que o pedido está se realizando. Não teve nada a ver com a estrela cadente, claro. Caminhar, finalmente, em direção ao intercâmbio foi obra da minha escolha. Eu quis, eu planejei, eu batalhei, eu abdiquei.
Enquanto olhava para o céu, me vi torcendo secretamente para uma estrela cadente passar. Tinha um novo pedido a fazer. Para não perder algumas das peças das quais me despi nesse caminho. Mas, de novo, sabia que não teria nada a ver com a tal estrela.
A brisa continuava a soprar e me levou para fora do meu corpo. Então olhei para mim mesma. Acariciei meu rosto, passei os dedos leves pelos meus cabelos e livrei meus ombros. Um, depois o outro. Deixei a carga no chão e, quando olhei, vi que ela se desfez como a nuvem que é cortada pelo avião. Não havia carga. Não havia peso. São escolhas, não são fardos. Nas minhas costas, só uma mala, cheia de espaço, costurada pelas vivas experiências e lembranças que fazem de mim o que sou.
A brisa do mar me atravessou e sussurou… São escolhas. De hoje e de amanhã. Da semente, que pode ficar em dormência na terra ou brotar depois que a chuva cair e o Sol bater. Da velha costura nova, quem sabe, que cabe. São atitudes, de sempre. Que as minhas sejam sábias. E eu, transparente. Escolhas.