Em Sampa, eu nunca experimentei sentar sozinha num bar, numa noite de sábado, pra tomar uma breja, observar as pessoas e pensar na vida. Sempre quis, mas nunca fiz… Tinha receio de parecer solitária aos olhos alheios. Mas agora, nessa cidade estranha, não pareço. Eu sou solitária. E não é por nada não… É porque agora dependo muito mais de mim mesma e só.
Apesar dessa consciência, desde que cheguei a Londres hesitei encarar a solidão dessa forma. Na esquina de casa há um pub chamado The Plough Inn (demorou séculos pra eu aprender a pronunciar – “De plau in” rs). Todo dia passo por ele e todo dia espio pela janela… Vejo uma estante com vários livros com cara de sebo. O balcão expondo os rótulos de Lagers e Ales. Algumas velas apagadas. Um piano. Iluminação forte demais pra um pub (chato isso… pub tem que estar sempre a meia luz, senão não cria a devida atmosfera!). Cinquentões e sessentões conversando e tomando umas e outras. Meio desanimado, mas ainda assim interessante. O problema é que eu nunca estava lá dentro. Até sábado passado.
Eu estava trabalhando na noite de Halloween e, pra ser bem honesta, não estava nem um pouco a fim de me fantasiar e aceitar um dos poucos (mas existentes! hehe) convites pra festa do Trick or Treats. Então, finalmente, decidi. Vou ao Plough Inn! Na verdade, era pra eu ter ido a um outro bar pra uma noite em homenagem à Motown e à Soul Music. Mas esqueci o endereço em casa na corrida pra não chegar atrasada ao trabalho e resolvi deixar pra lá e encarar o bar dos tiozões. “DJ Chilli vai tocar clássicos do rock” dizia o cartaz colado há uma semana na janela do pub. “A melhor noite rock de Londres” (aham… acredito… mas enfim). Quando me dei conta, já estava lá dentro.
Todos os quarentões, cinquentões e sessentões (e onas) olhando praquela estranha de vinte e pouquinhos anos com cara de estrangeira que entrava despindo a boina e o cachecol para quebrar, nem que por apenas uns 3 segundos, a rotina do lugar. O Plough Inn certamente é o pub local daquelas pessoas – e todo o inglês tem o seu pub local, do coração, pra ir todo dia (inglês bebe demais, impressionante!!! Enfim… digressão… voltemos…).
Meio desconcertada, me sentindo fora d’água, fui até o balcão e pedi a breja mais barata – no caso, Carlsberg, que depois descobri ser do mesmo preço que uma Ale beeem mais gostosa… Anyway. Não tive coragem de procurar muito por uma mesa vaga. Queria logo sentar e me esconder, pra ser sincera. Foi aí que vi outro ambiente, onde estava o tal DJ. Fui direto pra lá. Só três mesas ocupadas. Sentei-me no canto e lá fiquei. Pra não parecer tããão sozinha, abri meu bloquinho de jornalista e comecei a escrever. Sobre o quê?? Sobre aquela experiência, sobre o que eu estava sentindo… Tanto foi um pretexto que o texto nem ficou bom e ficou esquecido no bloquinho depois, sem ser lido.
Longos minutos depois, desisti do bloquinho e me concentrei na segunda e última cerveja e no DJ tocando pros gatos pingados que me incluíam. Até que entrou uma moça baixinha, cabelos cacheados, chapéu de pele e vestido amarelo, e começou a dançar sozinha no meio do salão. “She’s got the guts”, pensei eu, que continuava acuada no cantinho resguardada pela cerveja e pelo bloquinho, se precisasse. Mas acho que ser brasileira, seguindo um dos vários estereótipos que essa nacionalidade carrega (feliz e infelizmente), tem muito a ver com ter o bichinho da dança correndo pelo corpo. Não aguentei e resolvi me juntar à moça. Logo tocou “You Really Got Me” e aí, pronto… despiroquei.
Ela veio me perguntar “De onde você é?” e quando respondi Brasil, foi ela quem despirocou. “Aaahhh Brazil! Brazilian! So beautiful!!” e dançamos ainda mais. Bacana. Pelo menos quebrei a barreira do bloquinho e da mesa ao canto. Minha cerveja já estava no último gole quando a moça baixinha chamada Kush, indiana que mora aqui há muitos anos, saiu da sala e voltou com seu marido e um amigo, ambos ingleses. Brasileira pra cá, brasileira pra lá, eu já ia pegando minha bolsa e minha boina quando aconteceu. Se desse pra contar, eu diria que foram três segundos pensando na resposta. “Sim”.
Aceitei o convite de uma desconhecida pra ir a uma festa de desconhecidos de 40 anos pra cima, pra comemorar o aniversário de 50 anos de outro desconhecido. “Só a algumas quadras de casa? Bom… Se alguma merda acontecer, eu fujo pela saída de emergência – coisa que todas as casas têm – e corro pra casa”. Normalmente, eu não aceitaria tal convite. Medo, desconfiança. Mas, quer saber? Aquela era uma noite pra experimentar. Então me joguei. Let’s go!
“We found a baby!”, ela disse quando entrou comigo pela porta da casa onde já rolava a festa. O bebê era eu, de 20 e pouquinhos anos, brasileira (o que virou meu sobrenome já…), no meio da coroazada. De forma alguma aquele gole de cerveja no pub foi o último da noite. O pessoal de 40 anos pra cima sabe fazer festa. Breja avonts, vinho, petiscos, coqueteis… e ninguém passando mal ou sendo inconveniente. Aliás, o clima estava pra lá de interessante. Papeei, bebi, dancei a noite toda ao som de vinis mixados (atenção, vinis!), dancei com tiozinhos e tiazonas, fui até o chão, sambei, encorajei quem ainda estava tímido pra se mexer na presença do balanço natural brasileiro (haha), bebi mais um tanto (e não dei “petê”, que fique claro), dancei um tanto mais, conheci um bocado de gente e até descobri uma vizinha! Vixe… Foi uma noite e tanto!!! No fim, Walthamstow não é tão ruim quanto eu pensava… Gente boa e de espírito intenso tem até na Inglaterra. Até em Londres. Até em bairros que parecem não ter nada a oferecer além da terceira idade. Encontrei na minha rua, inclusive. Três casas acima. Minha vizinha, Debbie.
De volta ao lar, na madrugada, sã e salva, dormi que nem uma pedra e acordei na manhã seguinte pensando nos encontros que a solidão pode nos proporcionar e nas experiências que podem surgir daí quando a gente diz “sim”. Mesmo quando parece estranho. A vida é estranha… Temos que dar uma chance. Coisas incríveis podem acontecer. E teria sido incrível mesmo que a noite tivesse terminado naquele último gole de cerveja, só de eu estar lá, quebrando minhas barreiras. É… Acordei pensando e sorrindo, orgulhosa de mim. “I’ve got the guts!” 😀
Que delícia, Aline!
Acho que esse é o espírito mesmo! Sem medo de ser feliz e estar aberta às possibilidades que a vida te dá! E há essas grandes vantagens de estar sozinha num país estranho, né não?
Poxa, fico muito feliz por você!!
Beijos e se cuida!
=)