Minhas Folhas de Relva

percepções do cotidiano em letras livres

De que lado você vive? Em que língua você fala? 18/02/2011

Filed under: Cotidiano,Cultura,Intercâmbio,London — Aline Moraes @ 8:00 PM

Inacreditável. Eu nunca fui ao Museu de Língua Portuguesa. Sou a pessoa mais cricri com ortografia e gramática que eu conheço, e até hoje não fui explorar as origens e sinuosidades da minha matéria-prima. Prometo que será uma das primeiras coisas a colocar em dia quando eu voltar a Sampa. Principalmente depois de visitar, na British Library, uma exposição que trata exatamente do desenvolvimento e da complexidade da Língua Inglesa.

Evolving Englishtanto me envolveu que me fez refletir sobre detalhes da minha própria língua materna os quais jamais me ocorreu questionar ou comparar. Afinal, ser brasileira e ouvir nordestinos e cariocas é normal, sobretudo em São Paulo. Nunca parei pra pensar no porquê dos diferentes sotaques e termos usados de Norte a Sul. Agora, aqui em UK, eu fico pasma com os zilhares de accents que eu ouço todos os dias. A começar pelo fato de que, em Londres, as pessoas, de todos os cantos do mundo, falam inglês de todos os jeitos possíveis. Mas o que me intriga são as diferenças entre os próprios English speakers em UK. E mais, o quanto isso desperta a atenção dos próprios britânicos.

“Inglês britânico”??? Fico pensando de que inglês a gente tá falando no Brasil quando usa essa expressão. Tem o inglês de Londres, do Leste de Londres (onde eu moro), do Sul da Inglaterra, de Liverpool, de Newcastle, de Cumbria (os três últimos, ao Norte). Tem o inglês da Escócia. O inglês da Irlanda. O inglês de Wales. E ainda tem o inglês falado nas antigas colônias negras: Nigéria, Jamaica… Falo dessas colônias em especial porque muitos dos seus nativos vivem hoje em UK, sobretudo em Londres, e você tem que aprender a entender um tipo de inglês que pode ser bastaaaante diferente do que você aprendeu na escola de idiomas; que parece, mas não está errado. Da mistura anglo-saxã com os dialetos africanos e caribenhos, nasceu uma língua com outras palavras, outro ritmo, outra pronúncia e, às vezes, até gramática própria. Ah sim, não posso me esquecer do inglês falado pela comunidade negra britânica (bom, londrina, pela minha experiência), que, assim como dizem que rola nos EUA, se comunica com outra atitude.

Na Inglaterra, você sempre vai ouvir algum comentário sobre fulano que foi a Liverpool e não conseguiu entender o scouse accent. Ou ciclano que viajou a Newcastle e voltou fazendo piadinha do geordie accent. Lá pra cima, não é ‘mai foune’ a pronúncia. Se roubarem o celular em Liverpool, eles dirão ‘ai lôst mi fône’. Machucou a boca em Newcastle? É “Oh, you’ve hurt your ‘mooth’?”, no lugar de ‘mauth’ para “mouth”. E se deixar alguém nervoso lá, capaz de ouvir um “get ‘oot’ of here”, ao invés de ‘aut’ para “out”. Well… tem que ouvir pra entender do que estou falando. E não para por aí. Há outras palavras praquelas que você aprendeu no CNA ou na Cultura Inglesa. Conheço voluntários morando ao norte da Inglaterra que acham que estão piorando o seu inglês, ao invés de melhorar. E vários ingleses de Londres que dizem não entender quase nada quando vão lá “pra terrinha” sem fazer um esforço e não antes de habituar o ouvido.

Na exposição Evolving English, eu pude ouvir dezenas de sotaques e dialetos existentes e ou que já existiram em UK. São vozes de moradores das mais diversas partes e décadas, gravadas como parte de projetos de resgate cultural e estrutura da língua. É aí que você consegue identificar as diferenças de forma clara. Me surpreendi com o fato de que eu podia falar inglês na Inglaterra e, sobretudo, na Escócia de um jeito bem mais caipira do que eu jamais imaginei! Se um dia achei que Inglês era uma língua simples, se comparada ao Português, dobrei a minha, literalmente.

Na verdade, no Brasil nós “sofremos” dos mesmos tipos de diferenças na língua falada. Certa vez, eu fui a Balneário Camboriú e conheci uns gaúchos. Juro que tive que pedir pro cara repetir, porque eu não havia entendido nada! Fora oxentes e merrrrmos da vida. Talvez, no Brasil, a gente se importe menos com essas diferenças que os ingleses. Mas é que inglês gooosta de reclamar…rs. E de fazer um “big deal” de qualquer coisinha. De qualquer forma, pra mim é um estudo e um exercício muito interessantes. E fiquei feliz quando fui a uma peça de teatro e consegui identificar de onde vinham os sotaques peculiares que cada um dos quatro atores.

No meu dia a dia, eu vivencio bastante o inglês de East London, que é mais parecido com o que eu esperava da língua inglesa, cheio das vogais alongadas em ‘bããããt’s (pra “but”) e ‘noooooouuuuuuu’s (pra “no”). Mas sempre me surpreende com suas peculiaridades, como o “t” que surrupiam de “better” e “water” (e até eu surrupio às vezes – sem querer, juro! hehe), ou o “isn’t” it que vira ‘in’it’ e me confunde toda. Ou quando vou ao mercado de rua de Walthamstow e preciso me esforçar pra entender o old-cockney accent daquele feirante que sempre grita “Two ‘fô’ a ‘fááááiiivee’!” ou “Any bow ‘fô’ a ‘paaaaaaund’!”. O sotaque é tão forte que até hoje eu tenho medo de comprar com ele. Na minha primeira tentativa de comprar uma tigela de bananas por £1, quando eu me aproximei da banca, ele começou a falar um monte de coisas, no volume alto e no accent arrastado e abafado de sempre. E eu me apavorei, larguei a tigela lá e corri pro mercado, onde eu podia simplesmente comprar um cacho de bananas sem ter que perguntar nem ouvir nada de ninguém (apesar de, certamente, ter muito mais agrotóxico…). Enfim, foi engraçada a sensação…rs.

Se hoje o cockney accent é uma espécie de tesouro histórico-cultural de Londres, pois nasceu aqui, séculos atrás ele era rechaçado como o sotaque poluído da classe não instruída de trabalhadores. O “verdadeiro” inglês de Londres, modelo pro resto da cidade e do país, era aquele ditado pela rádio BBC. Por muito tempo, pelo que eu li na exposição, havia programas pra ensinar o povo a falar inglês “direito”. E não aceitavam radialistas com outros sotaques britânicos. Até que a coisa, finalmente, foi se flexibilizando. E, hoje, quem é daqui já fala num novo accent de East London, fruto das várias gerações de indianos que se estabeleceram na região. A língua, como bem diz o nome da exposição, não para de se desenvolver. E aí eu pergunto, pra ingleses e brasileiros: mas em que língua você fala???

 

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