Minhas Folhas de Relva

percepções do cotidiano em letras livres

Meu amigo, o Padre 20/07/2011

Filed under: Cotidiano,Cultura,Intercâmbio,London — Aline Moraes @ 7:24 PM

Moça jovenzinha geralmente atrai senhorzinhos por aí. Quase tão certo quanto levar cantada de pedreiro no Brasil. E ainda mais certo quando sua vizinhança é formada, na maioria, pela Segunda-e-Meia e Terceira Idades. Na região onde moro (Walthamstow-Leyton-Leytonstone) é assim. Entra num pub, “pimba”, quem puxa papo com você é um tiozinho. Nessas, já fui parar em houseparty (já contei esse história no blog), recebi oferta de emprego e até fiz amigos.

Na primeira quinta-feira do mês rola no King William IV (o melhor pub que já frequentei na região – não que seja mesmo bom -, bem com cara de Vitoriano, cheio de tiozinhos e salpicado com uma ou outra carinha jovem) uma jam session com a cantora de funk & soul Tina T. Ela esquenta a noite com sua banda e, depois, quem souber tocar e cantar, entra na fila pra se apresentar também. Uma noite bastante agradável e dançante (pelo menos pra mim, que não regulo na expressão corporal). E graças ao meu remelexo desproporcional para os padrões ingleses, nessa noite um tiozinho se aproximou.

A primeira pergunta é sempre “Da onde você é?” quando você conhece alguém novo em Londres, e dessa vez não foi diferente. Quando disse que sou brasileira, o tiozinho se animou todo. Disse que conheceu uma brasileira quando passou uma temporada em Cambridge e que começou a aprender a dançar forró! Steven, 40 e poucos anos, e eu engatamos uma conversa bacana e trocamos Facebook e telefone. Ele disse que me chamaria pra ir a um forró perto de Brick Lane um dia. E que podíamos combinar de aparecer na jam session no mês que vem. Steven, apesar de tiozinho (o que poderia significar cantada à vista), me pareceu inofensivo e uma pessoa que valia a pena conhecer.

Percebi agora que não tenho nenhuma foto com o Steven! Aqui vai, pelo menos, sua mão oferecendo uma obsessão inglesa: chips chips chips 😉

No dia seguinte, adicionei Steven no FB. Dei aquela revistada nas informações básicas: 40 e poucos anos mesmo, casado (ufa!), 5 filhos, padre. Padre?????! Caraaaaaca, fiquei bege quando li. “Eu dancei forró e bebi cerveja com um padre!” – ah sim, esqueci de dizer que tomei algumas pints de Ale na conta de Igreja Anglicana! Church of England é diferente da Igreja Católica, como conhecemos no Brasil. O padre está mais pra pastor, pode casar e tudo o mais – mas ninguém aqui acha que ele não vai beber em festa de casamento. Bom, só sei que, assim, me tornei amiga de um padre.

Dotado de uma paciência e simpatia divinas, Steven me mostrou e ensinou coisas muito legais sobre Londres. Ele, que mora aqui desde que nasceu e cuja família é Londoner há, pelo menos, quatro gerações seguidas. Começamos com um pub crawl (aprendi essa palavra aqui, onde é comum a galera ir de pub em pub pra beber hehe) pela região de Marylebone,  mas com fins culturais e históricos: estávamos atrás apenas de pubs do período Vitoriano, no séc. XIX. Foi demais caminhar por um estabelecimento que entretém, embebeda e faz a cabeça fervilhar de ideias há séculos. Os pubs que visitamos mantêm o piso de madeira, o teto decorado, as espelhos com propagandas, as poltronas, o balcão… Toquei o balcão e pude ouvir todo o tipo de gente conversando animadamente, discutindo, gritando Cheers numa Londres bem mais cinzenta e apertada que a de hoje. Um dos locais visitados mantém até a estrutura original dos pubs, onde cada porta dá num compartimento semi-privado. Como começamos cedo, a ideia não foi beber em cada um, mas no fim do nosso pub crawl, no Guinea, comemos pie and chips e bebemos Ale, pra coroar o dia!

Fizemos também um “church crawl”, em que Steven me explicou como identificar as diferentes igrejas pela fachada: Católica Romana, Anglicana, Metodista… Visitamos até uma linda igreja dinamarquesa, branca como dinamarqueses por dentro, onde eles promovem de tempos em tempos encontros pra celebrar a cultura (e, sobretudo, a comida) da Dinamarca. Não fui, mas espiei os diferentes tipos de peixes que eles guardavam no freezer. E compramos um chocolate na saída.

Nesse mesmo dia, caminhamos por uma parte do Regents Park, enquanto Steven me falava do seu interesse por árvores (e ele ia identificando algumas pelo caminho), das suas histórias de viagens pelo mundo e do seu tatara tatara avô, que aos 20 e poucos anos morava em Pimlico e tinha uma vida bastante agitada e conturbada. Parece que ele tinha algum distúrbio psíquico, teve vários casos de amor e vivia em reflexão e, possivelmente, depressão. Steven sabe bastante da vida desse seu parente pois ele escrevera um diário por uns dois anos, a partir de 1846, e esse diário foi encontrado e faz parte acervo do Westminster Archives Centre (um grande centro com informações e documentos sobre os londrinos – famílias, vida, comunidade e negócios locais e por aí vai). No ano passado, Steven acompanhou o projeto de tornar público – e online – esse diário. Centenas de pessoas acompanhavam a publicação dos capítulos semanalmente, como uma novela! Achei isso muito loko! Imagina experimentar, assim, a vida de um de seus ancestrais???

Pra quem tiver curiosidade, clique AQUI, e saiba como era ser jovem em Londres, nos tempos da Rainha Vitória 🙂

Família é uma coisa que Steven dividiu bastante comigo. Fui a um forró em Brick Lane com ele e a mulher; visitei sua casa em Leyton, onde tomei café da manhã inglês e dividi com dois dos cinco filhos dele os docinhos brasileiros que comprei num mercadinho lá perto; fui a um museu e a um parque em Central London com os dois filhos mais novos dele, que de desconfiados passaram a querer toda a minha atenção; assisti a um coral da Church of England (tipo canto gregoriano, estranho, mas interessante ver aqueles meninos jovenzinhos soltando o gogó em latim, em roupas de veludo vermelho, num domingo de manhã); e pude ter um approach mais local do que significa ser um Londoner – e um Londoner em Waltham Forest, borough que Steven e sua família amam (mas ele não esconde que adoraria se mudar pro Centro se a oportunidade de emprego surgir ;)).

Mas as crianças não querem mudar de lá agora. Claro, quem é que, entre os 5 e os 12 anos, vai querer deixar os amigos e a escola??? Aqui, eles têm tudo perto e um ambiente tranquilo pra viver. Aposto que Maria (a filha mais nova) bateria os dois pés se tivesse que deixar sua amiga romena. Maria é uma das apenas três crianças “white English” na sala dela. O resto vem de todas as partes do mundo. E assim ela cresce acostumada com o diversidade – uma das mais importantes lições que a escola deixará pra ela, certamente. Maria toda hora falava dessa amiguinha da Romênia e do quão legal é aprender uma língua diferente. Ela até fez demonstração do seu vocabulário de três ou quatro palavrinhas. Com muito orgulho e sede de ser parte do mundo todo!

Outro dia, me encontrei com o Steven por acaso. Estava sentada num banco de praça lendo um livro, esperando dar a hora da aula de alongamento. Ele estacionou sua bicicleta, veio dar um oi e me chamou pra tomar uma brejinha rápida no KWIV. Esperei por ele lá enquanto ele fora buscar Oliver (o mais novo) na escola. Ficamos por apenas 15 minutos no pub, nem tomei cerveja por causa da aula (mas ele sim! hehe), Oliver me contou como foi o dia dele (“aaawwwsome!” – o jeitinho londrino dele de falar inglês, com aquela vozinha e despreocupação de criança, me encanta!) e eu e Steven percebemos que teríamos pouco tempo pra nos encontrarmos antes de eu voltar pro Brasil. Deu minha hora e tive que deixar os dois lá. Foi um encontro despretensioso. Mas foi tão gostoso esse acaso de meio de semana, de tarde, num intervalo entre as obrigações diárias. Naquele dia, lembrei por que arriscar-se e escancarar o peito pro novo vale a pena. Nos dá a chance de ter um amigo padre 🙂

 

One Response to “Meu amigo, o Padre”

  1. MariPassos Says:

    Que maravilha de história e vivência querida! Um amigo padre e ainda dançou forró? Atitudes como a sua são de poucos, a maioria teria medo de arriscar-se! Parabéns! Beijão


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