Sempre imaginei que os ônibus vermelhinhos de dois andares, um dos símbolos da capital inglesa, fossem regalia da parte central da cidade, mais pra turistas e gente bem localizada ver. Por isso, foi uma grande surpresa andar pela primeira vez no andar de cima em Waltham Forest, a quatro zonas do centro, onde eu moro. Os double deckers existem desde 1900 e estão por toda a cidade. Também os encontrei em outras cidades inglesas. Em Berlin, na Alemanha, vi alguns dose dupla, mas amarelinhos, além da versão ferroviária, que cheguei a ver (e usar) também na Suíça e na Bélgica.
Gosto muito do busão de dois andares daqui. Primeiro, pela vista, claro. É bem mais bacana passear pela cidade lá de cima. Sempre que faço uma viagem mais longa por aqui, sozinha ou com os meus service users, procuro pelo banco da frente vago. Lembro que, uma vez, estava indo pra Hackney e, durante os 40 minutos rodando East London, a moça sentada no banco ao lado foi mostrando pro amigo pontos turísticos – e outros nem tanto – que encontrava pelo caminho. Cruzar bairros e zonas com o double decker pode ser um verdadeiro (e realista) city tour!
Outras razões pra gostar do busão londrino é que ele é até bem confortável; está sempre limpo e bem conservado; dispõe de painel eletrônico com o nome de cada ponto de ônibus; tem espaço para cadeirante em toda a frota e comporta bastante gente (vou checar direitinho a capacidade amanhã). Além de, obviamente, ocupar menos espaço horizontal. Por isso, fiquei pensando por que não temos ônibus como esses em São Paulo.
Primeiro imaginei que houvesse algum tipo de patente envolvido. Mas aí vi esse tipo de ônibus em outros países e imaginei que não seria esse o impecilho. Nunca me ocorreu, até eu googlar a respeito, que dois andares cabem no desenho de Londres, mas pode não caber numa capital como São Paulo, que é ainda mais caótica logistica e visualmente.
Descobri, sem precisar passar da primeira página de resultados do Google, que São Paulo já tentou ter double deckers. Foi na época do Jânio Quadros, nos Anos 80, uma experiência de uns três anos. Mas os ônibus enroscavam nos fios dos trólebus, em árvores e na fiação elétrica; não passavam embaixo de viadutos (em Londres, há também ônibus de um andar apenas, que circulam em linhas com restrição de altura, por exemplo). Em alguns sites e blogs pesquisados, vi comentários negatvos de pessoas que usaram o “Fofão” (como foi apelidado) dizendo que o pé direito era muito baixo, resultando numa viagem quente e desconfortável. Também não parecia ser muito estável, nem aguentar bem nossas subidonas (aqui em Londres nunca vi uma ladeira!). Fora a polêmica em torno da ideia (e dos interesses) de um “transporte estilo europeu” no Brasil. Mas houve quem comentasse a favor da ideia, alguns dizendo que era “chique”, outros que seria uma boa economia de espaço em comparação aos ônibus articulados e que poderia dar certo em alguns corredores. [Leia mais sobre a experiência com ônibus de dois andares no Brasil no blog do Milton Jung]
Politicagens e restrições logísticas à parte, eu acho o double decker uma alternativa de transporte bastante interessante. E gostaria que ela fosse estudada pra São Paulo de novo. Talvez dê certo pra algumas linhas e corredores, como já sugerido. Só não consigo imaginar o empurra-empurra pra descer a escada e sair do busão na hora do rush, mas é tudo uma questão de organização e educação (coisa em falta no nosso trânsito e transporte público). Só, né?… Enfim.
Ainda que não venha fazer parte da nossa frota de ônibus urbanos, os double deckers devem aparecer em Sampa como parte do projeto de City Tour oficial da cidade, previsto pra começar em Janeiro de 2012. Seguiremos, então, a tendência turística de cidades como Londres, Berlin e Paris, onde conhecer os pontos turísticos do alto de um busão sem teto (a não ser nos dias de chuva) é bastante comum. Para essas cidades listadas, e outras que visitei na Europa, acho o Bus Tour uma grande besteira, já que o sistema de tranporte público delas é bom e interessante o suficiente pro turista explorar (e as explicações do guia… bem… você consegue num guia de papel também). Já em São Paulo, acho válido, pois imagino como deve ser difícil pro turista se locomover entre diferentes pontos de interesse contando com poucas linhas de metrô, muita muvuca, muitos ônibus, muita espera e muito trânsito.
Escrever esse post começando em Londres e terminando em São Paulo – e seu caos – me fez lembrar do quanto eu sentirei falta do sistema de transporte daqui. Quando eu voltar, quero enterrar uma cápsula do tempo com o mapa do metrô londrino. Que ela seja resgatada daqui a 120 anos, quando nosso Metrô terá, mais ou menos, a mesma idade que o London Underground tem hoje. E que nossos tataranetos achem aquele mapa amarelado xinfrim perto da rede de trens voadores pelos quais eles circularão na São Paulo do Século XXII.