Minhas Folhas de Relva

percepções do cotidiano em letras livres

Dançando, a alma fala – e o meu retorno ao Brasil 20/10/2011

Oxalá, axé, Ogum. Exu, Ossanha, Iemanjá. Mary não acreditou que eu conhecia essas palavras. “Isso é Ioruba!”, ela exclamou, no tom típico de africanos falando inglês: em alto e bom sotaque. Estávamos na fila de espera do hospital com uma das minhas service users. Mary era funcionária de um projetos da Outward, a ONG onde trabalhei durante meu ano morando em Londres.

Mesmo em Londres, lá estava a minha famosa peruca "black power", pra não negar minhas raízes afro

Não lembro como começou essa conversa. Só lembro que passei a citar nomes comuns, para mim, na cultura baiana e ela reconheceu de onde eles vêm: de uma das zilhões de línguas/dialetos falados na Nigéria, pelo segundo maior grupo étnico do país, o Yorùbá. Mary não sabia o quão importante a cultura africana é pra cultura brasileira. Ficou fascinada com tamanha proximidade. Achei que os africanos sabiam disso…

Depois dessa nossa conversa, comecei a falar mais sobre o intercâmbio cultural de séculos entre Brasil e África para outras nigerianas que trabalhavam comigo. Aliás, trabalhei com muuuuitas nigerianas. Pela minha experiência, essa é a nacionalidade africana que mais eu encontrei em Londres. Talvez pelo bairro onde eu morava-trabalhava. Na capital inglesa, é comum as nacionalidades se “especializarem” em certas regiões. Africanos não eram o forte de Walthamstow-Leyton-Leytonstone. Mas lá havia muitos nigerianos e também ganeses, somalis e misturas afro, como jamaicanos. Enfim… Fato é que elas pouco sabiam da nossa ligação cultural e histórica. Foi legal pra ambos os lados. Em mim, reforçou o meu interesse pela cultura africana. Acabou que eu só tive uma experiência durante meu ano fora: foi um casamento Etíope. Mas que pouco teve de batuques e de roupas coloridas e daqueles turbantes lindos que mais parecem origamis. O legal da festa foi aprender a comer com as mãos. Bom, “aprender” é um certo exagero. Fui a pessoa mais suja da mesa, fiz a maior lambança rsrs.

Cheguei a “combinar” de ir a alguma festa de nigerianos com a Diana, minha supervisora, mas nunca rolou. Ficou tudo na conversa, apenas. E, na minha cabeça, sempre aquela vontade de saber mais sobre as roupas, os ritos e, sobretudo, o combo música+dança. Mas ontem, finalmente,  entrei descalça na roda e dancei para todos os orixás. E não foi em Londres. De volta ao meu País há quase dois meses, apenas, comecei a me mexer pra cumprir uma das metas que eu determinei antes de travessar o Atlântico: investir na dança como exercício e “terapia”, parte da reconstrução da minha vida no Brasil.

Começou em outubro, no Sesc Santana, uma oficina de Dança Africana. Gratuita e do ladinho de casa, quer coisa melhor? Ontem, foi a minha primeira aula (e a quarta do curso) e foi, simplesmente, incrível! Perdi até o fôlego, mas me diverti horrores. Tenho a maior admiração pela intensidade e pelo requebrado daqueles movimentos. E, nos 30 minutos finais (a aula dura 1h30), ainda aprendi o significado de cada gesto, cada passo, e os sentidos dentro da tradição do Candomblé/Umbanda.

Dançando em círculos para homenagear todos os orixás

Mas o mais bacana foi o efeito que aquela dança teve sobre mim. Foram 90 minutos em que eu não pensei em nenhum problema. Só sentia meus cachos pulando e minha alma falando por meio do corpo. Foi – por que não? – uma espécie de meditação. Foi bom, muito muito bom! Em Londres, o pessoal costumava falar que eu dançava muito bem. Claro, o rebolado de qualquer brasileira que já dançou axé um dia deixa o queixo da imensa maioria dos estrangeiros no chão…rs. Mas, mais do que dançar bem, o que nós temos, transmitido pela cultura africana, é o gingado, a expressão da alegria da alma por meio do corpo. Isso é fato. Indeed, como diriam os ingleses.

E é ainda com a lembrança gostosa daquele momento que eu inicio uma nova fase nesse blog e marco no Minhas Folhas de Relva o meu retorno ao Brasil. Axé!

* * *

Ah, a Oficina de Dança Africana acontece todas as quartas e sextas de Outubro, das 20h às 21h30, no Sesc Santana (a 10 minutos a pé da estação Jardim São Paulo, linha azul do Metrô). Em Novembro, continuará às quartas-feiras, apenas. Lembrando: é na faixa, gente! Quem quiser me acompanhar, o convite já está feito 😉

 

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