0h30. 701U-Jaçanã. Alguém está cantando dentro do busão… Mais essa… Sento-me ao lado da tal pessoa (até então, eu não sabia) e aceito o desafio de não me irritar. Estou ouvindo música, Grey Room do Damien Rice toca no meu ouvido, então beleza… Mas o busão todo olha. Perplexidade no ar. Não sei se o carinha com cara de gótico meio do tipo cosplay estava cantando em japonês, em alemão ou em inglês. Talvez nas três línguas. Fato é que ele cantava, e alto.
Se alguém reparava e olhava pra ele com cara de reprovação, o cantor do busão não se fazia de rogado. Soltava um sorriso em desafio e prosseguia. Enquanto eu continuava curtindo a minha playlist, em silêncio para o resto do mundo. Eu queria ter raiva daquele pentelho, mas, no fundo, eu não tinha. Havia algo de subversivo naquela ação que, de certa forma, me fascinou. Se eu pudesse, cantaria todos os dias na rua, no ônibus, no metrô. Música é o que faz minha hora no transporte público mais fácil de engolir. Eu gesticulo, abro a boca, fecho os olhos, imagino o som saindo… Mas nunca dá para ouvir um som sequer. Por que não?
Por que é reprovável cantar em público? Tá, atrapalha a viagem dos outros, outros esses que não são obrigados a te ouvir, mas não podem simplesmente descer no ponto mais próximo quando a cantoria dá no saco. A minha liberdade termina quando ela esbarra na sua, já disse alguém aí.
Chegou o meu ponto. Na hora de ir embora, não resisti. Fiz um joinha e disse, no tom mais irônico-cômico que encontrei, “canta bem, hein?!”. Recebi um “é pra animar o busão”. Segui para a catraca, onde o cobrador me esperava para comentar algo. E eu só pude dizer “pelo menos não era funk…”.