Minhas Folhas de Relva

percepções do cotidiano em letras livres

Esquecer (o Alzheimer) 22/11/2012

Filed under: Comportamento,Cotidiano,Saúde — Aline Moraes @ 10:50 AM

Era fim de tarde e tivemos que chamar o resgate. Denise estava entalada na banheira. Sim, entalada! Ninguém conseguia tirá-la de lá, já que estava bem acima do peso. Os paramédicos deram conta, para nosso alívio, e dias depois, para minha angústia, descobri por que ela não saíra sozinha do banho naquele dia. Não tinha nada a ver com o peso. Ela se esquecera de como fazê-lo.

Davi congelou na aula de educação física quando viu o espelho. Se aproximou, observando desconfiado. E, numa explosão raivosa, começou a gritar e a esmurrar a superfície refletora. Aaaaaaahhhhhhh!!!!! Aaaaaahhhhhhhh!!!! Ele gritava como se tivesse um estranho perigoso em sua frente! Contudo, na sua frente, só estava ele mesmo. Chegara ao ponto de não se reconhecer mais.

Essas são as duas histórias mais marcantes que eu presenciei do efeito da demência num idoso. Eu revisitei essas memórias hoje porque minha mãe falou comigo durante o café da manhã sobre meu avô. Ele tem Mal de Alzheimer, um tipo de demência. Logo meu avô, que sempre foi tão ativo, com a memória tão boa… Ele ainda se lembra dos causos da roça que costumava contar para a gente – e nem sempre a gente tinha paciência pra ouvir tantos detalhes! A doença atinge sua memória recente.

Graças aos prontos cuidados da família, que faz acompanhamento médico com ele desde que os primeiros sintomas apareceram, meu avô não vai ficar entalado na banheira de um dia para o outro. Os remédios retardam o avanço da doença, estendendo – como definiu o médico à minha mãe – “sua vida útil”. Mas não frearão o poder implacável do Alzheimer de fazer esquecer.

Aos poucos, chegará o dia em que seu cérebro não saberá mais reagir nem ao comando de ir ao banheiro. Esse dia chegará. E temos que nos preparar para ele. Chegará o dia em que ele não nos reconhecerá mais. Para esse dia, não sei se alguém consegue se preparar… Mas este post é uma tentativa de preparação. Resolvi escrever algo tão íntimo, e que não diz respeito só a mim, para me ajudar nesse processo. Para que eu não esqueça de que estamos em contagem regressiva. E que cada segundo com meu Vô Antônio é valioso a fim de continuar deixando nele bons momentos, boas sensações. Ainda que ele não se lembre delas, ele as terá vivido. Quero acreditar que isso já basta.

 

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