Um dia, me peguei fazendo uma lista de pequenas coisas que me fazem feliz. Uma delas é receber um livro novo pelo correio. Este ano, voltei a me dar esses presentes. Penso num título e corro no Estante Virtual pra encomendar um usado. Gosto muito mais, sabia? Primeiro, porque é mais barato. Segundo, porque costuma ter história pessoal. Um nome na capa, um cheiro diferente, algum papel perdido entre as páginas (pode ser clichê, mas é verdade…). Mas os dois que comprei este mês estavam praticamente zero bala. Então, estou deixando neles as minhas marcas, destacando frases, marcando páginas…
Comecei a ler esta semana um dos diários do filósofo-sociólogo francês Edgar Morin, que faz parte de uma tríade lançada pela Editora Sesc. Assim o autor define a obra, sem pretensões científicas: “Meu diário revela que, no decorrer do dia, salto (salto quântico) de um plano a outro: de um microacontecimento pessoal que concentra toda a minha atenção, me diverte ou me aborrece, à terrível situação na Bósnia ou em Ruanda; do prazer ou desprazer de uma refeição aos grandes problemas planetários; da dor da morte de um amigo ao divertimento banal. Assim se tecem os dias para cada um (…). Os detalhes cotidianos são anotados para não ocultar a banalidade da vida, e os triviais, para não ocultar os aspectos triviais da minha vida. Os detalhes insignificantes estão inscritos para não ocultar as insignificâncias de qualquer vida.”
Quando li essa descrição, pensei, “putz, deve ser mó masturbação mental de um pensador consagrado que já não tem mais o que escrever e resolve escrever sobre si mesmo…”. Mas me surpreendi até agora com esses pequenos detalhes que ele revela. Descobri que eu e Morin temos várias coisas em comum, como a força incontrolável que nos leva a dormir mesmo no meio de um filme muito bom… E que aperto no peito me deu ao partilhar com ele as respostas mais verdadeiras à pergunta – que deve ter sido feito por uma jornalista – “Do que o senhor se arrepende ou se lamenta na sua vida?’. A principal delas: “Eu fui muitas vezes negligente em relação aos meus próximos, àqueles que eu amo. Sim, disso eu me arrependo.” Não é triste que alguém que se preocupa tanto com os “problemas planetários” se arrependa mais de não ter se dedicado como deveria à família do que de ter sido comunista? – (intelectualmente, como ele pontua).
“O leitor ficará surpreso de encontrar um homem comum, sem estereótipos, sem estatuificação, um indivíduo que revela, e não que dissimula sua subjetividade”, disse ele também no prefácio. Realmente, estou surpresa, nesse começo de leitura, por chorar, amar, rir e compreender com ele, por meio de pequenos acertos e desastres do cotidiano, que, no fim, nos marcam tanto… mais até que os grandes feitos.
Entrevista com Morin no Diplô Brasil: http://anidabar.wordpress.com/2012/12/13/metamorfose/