Em 2011, eu cobri a ocupação da Reitoria da USP como repórter do Jornal do Campus (jornal-laboratório feito pelos estudantes do 3o ano de Jornalismo da ECA-USP). Foi um massacre a ação da PM, não deixaram a imprensa entrar e, depois da passagem do Choque, a reitoria amanheceu totalmente destruída. Quem passou pela ocupação antes viu que não estava daquele jeito. Estudantes disseram que foram os próprios PMs que causaram os danos, depois tão altamente contabilizados e divulgados pela Reitoria, colocando os manifestantes, simplesmente, como “vândalos”. Sem necessariamente defender o recurso da “ocupação” como pressão política, o que eu quero com essa história é lembrar um passado não muito distante de repressão policial na USP e que deu merda.
Agora, os estudantes ocupam de novo, e por uma pauta principal de extrema relevância: eleições diretas para Reitor. Democracia nas Universidades. Na minha época, era a Suely Vilela. Rodas, o novo nome no poder, não foi nem o mais votado daquela listra tríplice de candidatos pré-selecionados, e mesmo assim o então governador José Serra escolheu uma figura que leva, nas costas, várias acusações de “apoiador da ditadura militar”. Pessoa non grata. Acho que a hashtag #ForaRodas é a mais usada há anos.
De novo, a postura da Reitoria é de não dialogar, chorar pro governador e querer chamar a Tropa de Choque. Mas, desta vez, surpreendentemente, o juiz pediu uma audiência de conciliação antes de decidir sobre o pedido de reintegração de posse feito pela Reitoria. Eu fui lá cobrir e, como imaginávamos, não deu em nada. A USP não cedeu nem um tiquinho. O juiz Adriano Laroca teria até hoje, quinta-feira, para tomar uma decisão (a lei manda que, depois da tentativa de conciliação, o prazo é de 48h). Saiu ontem à tarde mesmo, dia em que estudantes das Universidades Estaduais Paulistas já tinham um ato marcado na Avenida Paulista e uma outra audiência na Assembleia Legislativa de SP. E foi em clima de festa que eles marcharam até a Alesp, sem violência, sem depredação. A PM contou 1mil pessoas. O movimento, umas 2,5mil. Sem um representante da USP, a audiência foi simbólica, feita do lado de fora, com os deputados Carlos Gianazzi, Leci Brandão e Adriano Diogo apoiando o movimento estudantil e até fazendo uso da hashtag verbal: Fora Rodas!
Falar em “clima de comemoração” na manifestação de ontem não foi besteira depois que li o parecer do juiz, quando ele negou a liminar de reintegração de posse do prédio da Administração Central da USP. Leia e entenderá por quê! Sério! Dividi até o texto em subtítulos para facilitar a leitura. Vale a pena. É um reconhecimento importante para as lutas sociais no país.
Qual o lance da ocupação…
“Em resumo, a USP pede liminar de reintegração na posse do prédio de sua administração central ocupado desde 1o de outubro deste ano por estudantes como protesto em virtude da ausência de debate democrático pela Reitoria em relação a diversas propostas, notadamente a de democratização das eleições para a Reitoria, isto é, eleição do Reitor diretamente pelos estudantes, professores e servidores. Segundo os estudantes disseram em audiência de conciliação, o estopim para a ocupação acima teria sido a omissão da Reitoria em responder ao pedido (formulado em 19 de setembro) de abertura a todos os estudantes da reunião do Conselho Universitário, realizado no dia 1o de outubro, e o impedimento efetivo de participação dos estudantes, professores e servidores no referido ato. Alegou-se, ainda, que alguns conselheiros teriam sido impedidos inclusive de ingressarem no local de reunião, deixando, assim, de participarem da votação.”
Justiça convocou audiência de conciliação entre estudantes e a USP antes de decidir sobre a liminar. O que rolou na terça-feira…
“Na audiência de conciliação, designada por este juízo, houve a formulação de uma proposta intermediária às apresentadas inicialmente pelas partes para a desocupação, consistente no INÍCIO DO DIÁLOGO DA REITORIA COM AS ENTIDADES DOS ESTUDANTES, PROFESSORES E SERVIDORES CONCOMITANTEMENTE COM A DESOCUPAÇÃO DO PRÉDIO. A Reitoria insistiu que A DESOCUPAÇÃO PRECEDESSE O INÍCIO DA NEGOCIAÇÃO, MUITO EMBORA SEQUER TENHA SINALIZADO FIRMEMENTE COM UMA DATA PARA TANTO.
O que argumenta o juiz diante da falta de acordo…
Nesse contexto, para a concessão da liminar pretendida que, pelo clima de acirramento com a Reitoria, ensejaria uma desocupação involuntária, isto é, com o uso da forca policial contra estudantes universitários, é de se ponderar se os custos à imagem da própria USP e à integridade física dos estudantes da imediata reintegração na posse são maiores do que os relativos ao seu funcionamento parcial e ao seu patrimônio material (aqui, de concreto, há apenas notícia de danos na porta de entrada da administração central). Certamente, é muito mais prejudicial à imagem da USP, sendo a universidade mais importante da América Latina, a desocupação de estudantes de um de seus prédios com o uso da tropa de choque, sem contar possíveis danos à integridade física dos estudantes, ratificando, mais uma vez, a tradição marcadamente autoritária da sociedade brasileira e de suas instituições, que, não reconhecendo conflitos sociais e de interesses, ao invés de resolvê-los pelo debate democrático, lançam mão da repressão ou da desmoralização do interlocutor. [O RECADO AGORA É PARA TODOS:] Aqui, não se olvide que sequer escapa desse “pensamento único”, infelizmente, a maioria da mídia e da própria sociedade, amalgamada, por longos anos, nessa tradição de pensamento autoritário.”
Vamos às ponderações jurídicas…
“O próprio Poder Judiciário do Estado de São Paulo sofre as agruras de normas editadas em regime de exceção, absolutamente antidemocráticas, para a eleição de sua cúpula administrativa. De outro lado, cabe outra ponderação. A ocupação de bem público (no caso de uso especial, poderia ser de uso comum, por exemplo, uma praça ou rua), como forma de luta democrática (artigo 5º XVI da CF), para deixar de ter legitimidade, precisa causar mais ônus do que benefícios à universidade e, em última instancia, à sociedade. Outrossim, FRISE-SE QUE NENHUMA LUTA SOCIAL QUE NÃO CAUSE QUALQUER TRANSTORNO, ALTERAÇÃO DA NORMALIDADE, NÃO TEM FORÇA DE PRESSÃO e, portanto, sequer poderia se caracterizar como tal.
No caso, considerando o principal objetivo da pauta de reivindicações dos estudantes, professores e servidores, que é a democratização da gestão da USP – por sinal, prevista na LDBEN [Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional]-, indiscutivelmente, eventual beneficio decorrente da ocupação, como forma de pressão, é muito superior à interdição parcial de funcionamento administrativo da USP e aos danos de pequena monta ao seu patrimônio, pelo que consta dos autos.”
Agora – rufem os tambores – a decisão…
Desta forma, – como pareceu ter ficado claro na audiência -, HAVENDO AINDA A POSSIBILIDADE DE RETOMADA DO PRÉDIO SEM O USO DA FORÇA POLICIAL, BASTANDO A CESSAÇÃO DA INTRANSIGÊNCIA DA REITORIA EM DIALOGAR, DE FORMA DEMOCRÁTICA, COM OS ESTUDANTES, e, ainda, considerando, como dito acima, que, nesse momento, a desocupação involuntária, violenta, causaria mais danos à USP e aos seus estudantes do que a decorrente da própria ocupação, indefiro, por ora, a liminar de reintegração de posse.”
E, para terminar, o “puxão de orelha” na Reitoria…
“Ademais, anote-se que a Reitoria, ao invés da abertura de diálogo com os estudantes para a imediata retomada do prédio e da normalidade de funcionamento administrativo da universidade, ingressou com a presente ação que, pelo contexto, ela própria sabe, poderá culminar na desocupação violenta, com maiores prejuízos à imagem de uma instituição acadêmica da relevância da USP e aos estudantes do que os até então causados. NA REALIDADE, PODE-SE DIZER QUE A REITORIA, SEM INICIAR QUALQUER DIÁLOGO COM OS ESTUDANTES, AO JUDICIALIZAR TAL OCUPAÇÃO POLÍTICA, FEZ UMA OPÇÃO CLARA PELO USO DA FORÇA, AO INVÉS DO DEBATE DEMOCRÁTICO. (…) Por fim, ouso dizer que o Poder Judiciário não pode mais, simplesmente, absorver conflitos negados pela postura antidemocrática dos demais poderes, sob o manto protetor de qualquer instituto jurídico -, no caso, o da posse -, sem o risco de ele próprio praticar o mesmo autoritarismo (repressão), os quais, na maioria das vezes, de modo irresponsável, são lhe transferidos pelos administradores de plantão. No mais, aguarde-se a vinda das contestações. Int.”
Chorei…