Não sei se é porque estou menstruada, se é porque já chorei hoje por adicionar peso à minha cesta de culpas, ou se é porque realmente valia a pena. Chuto que são as três coisas combinadas. Hoje, eu me emocionei pela primeira vez com um livro desde que cheguei à Alemanha. Pela primeira vez, um livro em alemão.
“Berlin, Meyerbeer 26”, escrito por Tanja Nause, é um livro para quem está aprendendo a língua, para quem está no nível B1+. Mas isso é só um detalhe. Porque é maravilhoso. É poético na sua simplicidade. Não falo nem da linguagem, mas da simplicidade do tema.
Josefine é uma encadernadora de profissão e colecionadora de ruídos por vocação. Na busca por um barulho específico, ela nos conta de si e dos seus vizinhos. [Todos moradores de uma casa antiga, de uns 3 ou 4 quatro andares, onde há vários apartamentos. É o que chamamos aqui de Mehrfamilienhaus. É o tipo mais comum de moradia na Alemanha, um país onde as pessoas quase não têm elevador, muito menos porteiro, mas todas têm um quintal nos fundos, compartilhado. Às vezes usado em conjunto, às vezes não. Em Meyerbeer 26, felizmente, sim.]
De quebra, Josefine nos conta também um pouco sobre Berlin, sobre a história da Alemanha dividida (o bairro onde ela mora, Weißensee, ficava no lado soviético da Berlin dividida), a história do país, afinal. Mas, o que me prendeu do início ao fim foi que, na busca pelo ruído – grrrff grrrff -, ela também buscava a si mesma, com uma aceitação de si, abertura para o outro e singeleza perante a vida que me tocaram muito.
No final, um dos moradores fala da diferença entre acaso e probabilidade, de como estamos todos conectados, ainda que não saibamos, pelas escolhas que fazemos. Todos os moradores daquela casa antiga, antes mesmo de se conhecerem, estava ligados pelo que os fizeram escolher morar lá. E foi o clima acolhedor que, sem querer, a moradora mais antiga, há 70 anos no andar térreo à direita, oferecia para quem entrava na Meyerbeer 26 pela primeira vez. As flores na varanda da Dona Zebunke, a guirlanda de flores ornamentando a porta, o cheiro de Apfelkuchen, o relógio Cuco dando as badaladas a cada hora cheia.
Nem preciso dizer que gostaria de morar numa Meyerbeer 26, de ter uma boa desculpa pra conhecer todos os meus vizinhos, de ser amiga de uma senhora de 80 anos que me contasse a História viva, de fazer uma festa para ela e reunir todos os outros moradores. Mas, principalmente, eu queria ter a aceitação, a abertura, a singeleza. Chorei porque cada vez mais eu percebo a grandiosidade das pequenas coisas. Porque o mundo está cheio de motivos ocultos, de histórias simples e belas, de pessoas que não são só acaso.
Você não se sente um idiota por não reconhecer essas coisas? Eu me sinto. Mas não me canso de ser relembrada. Chorei porque o livro fala de mim, da gente, do que buscamos e não sabemos. Chorei porque a simplicidade não é fácil, mas é bela. Chorei porque essa é a verdade. Uma das. E a gente aí, criando e cultivando mentiras pra nós mesmos, sem saber, todos os dias…
Junto com as últimas páginas, havia um papel, o comprovante de empréstimo de Janeiro de 2016. Youssef Ismail Ali também leu Meyerbeer 26. A julgar pelo nome estrangeiro, Ali deve ser um migrante a aprender alemão como eu. E, como eu, deve estar buscando um sentido para existir aqui. Espero que ele tenha se emocionado também. E que tenha acordado no dia seguinte de manhã com um sopro de inspiração e apaziguamento. É isso que eu espero amanhã. Agora, eu vou dormir.