O inverno tá chegando (pra mim, já chegou) e eu me lembrei, depois de alguns meses deixando o cabelo secar ao vento, de que eu precisarei tirar o secador do armário. Quem tem cabelo cacheado sabe como é de partir o coração secá-lo com secador. Fica uma bosta, frizado, sem brilho, sem definição, sem vida. O que ajuda é o difusor – que eu não tenho.
Daí, antes de começar a pesquisar preços, eu lembrei que uma coisa funciona muito bem aqui na Alemanha: os grupos de doação de coisas usadas. Nos vários que existem no Facebook, você posta lá o que você precisa e quem tiver, responde. Ou você posta fotos do que você quer doar e interessados comentam.
Fiz isso hoje de manhã. Postei a foto do meu secadorzinho de viagem e perguntei se alguém tinha um com difusor pra doar ou pra trocar pelo meu. Num deu nem um minuto uma mulher comentou e ofereceu o dela. Umsonst. Combinamos a retirada, peguei minha bike e voltei com um puta secador da Bosch e uma dica de sabonete supernatural pra lavar a cabeça. (Infelizmente não rola muita conversa, um small talk, mas as pessoas são gentis.)

O post que me rendeu um secador novo – e depois levei um puxão de orelha de alguém do grupo, me avisando que a ideia é apenas doar e não trocar
Eu também já postei um pedido de tampa de vidro para frigideira. Deu certo. Pedi uma bolsa para máquina fotográfica, descolei uma e ainda comprei do cara uma mochila que ele tinha, que deu certinho para guardar todos os meus equipamentos de gravação.
Um amigo sírio mobiliou quase todo o apê assim. As pessoas doam coisas boas. Algumas vezes por ano (ou todo mês, não sei, até hoje não consegui sacar) existe o dia de deixar na calçada aquilo que você não quer ter mais em casa. Tem de tudo, de livros a objetos de decoração, de roupas a móveis. Tem gente que chega a zanzar de carro pelas ruas caçando e pegando coisas (certamente pra vender nos mercados de pulgas, que são muito comuns por aqui).
Me pergunto por que aqui na Alemanha as pessoas doam ao invés de vender. Nunca vi isso no Brasil. Estou num grupo em São Paulo de “Desapego” e isso não inclui doar. Nem que seja por pouco dinheiro, mas a galera vende. Qualquer coisa. Aqui não.
O Wanja acha que não tem nada a ver com os alemães serem mais, sei lá, legais ou conscientes do princípio da “partilha”. Ou menos consumistas. Pra ele, as pessoas precisam se desfazer logo das coisas porque estão de mudança ou compraram algo novo. Vender leva muito tempo. E querem abrir espaço exatamente por serem muito consumistas.
Mas, comparando com a gente no Brasil, os alemães se ligam menos em bens materiais e em status. Na média. Tem todo o lance de a casa própria não ser um sonho tão necessário quanto no Brasil, de aqui as pessoas não terem empregada doméstica e porteiro, de não ter mega-blaster-master buffet de festas infantis, de muita gente fazer tudo (ou quase tudo) só de bike, de não ter shopping center como os que existem no Brasil, onde você passa um dia inteiro dentro e perde a noção da hora.
Claro, se você pensa em Munique, talvez a cidade mais rica da Alemanha, onde o status grita mais nas ruas, a impressão seja outra. E os alemães, ainda que amem bicicleta, também amam muito seus carros e continuam alimentando a indústria automobilística, que sustenta boa parte da economia.
Mas ainda acho que existe algo no estilo de vida europeu, ou do centro e oeste europeus, que tem muito mais a ver com ser do que ter, com acumular menos e vivenciar mais – e é verdade que também acho que preciso comer ainda muito Sauerkraut com Bratwurst para entender como esse velho mundo funciona e por quê. O que você acha?