Minhas Folhas de Relva

percepções do cotidiano em letras livres

Um dia com Neil Harbisson – o primeiro cyborg do mundo 04/04/2012

Filed under: Ciência,Cultura,Intercâmbio — Aline Moraes @ 11:15 PM
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Eu não sou morena, nem branca, nem negra. Sou laranja. Foi o que me disse Neil Harbisson numa tarde de sábado, em fevereiro de 2012, nós sentados à mesa do café que fica dentro do Pateo do Colégio.

Conheci Neil sem flashs, nem câmeras de TV atrás dele. Fui apenas acompanhar uma amiga num passeio para mostrar o centro de São Paulo para dois amigos gringos. Ela achava que um deles era londrino e eu super me animei com a ideia de poder treinar meu liiiindo sotaque britânico (rsrs). Mas não, Neil é, na verdade, Catalão e é de falar pouco… (nem espanhol daria para treinar muito, apesar de ele falar inglês muito bem, filho da Irlanda por um lado da família)… e é bastante tímido também, acho que de tanto ser assediado pela mídia. Ou talvez não seja nada disso.

Neil deve ser assim, quietão, porque gosta mais é de observar. Seus olhos pelo centro de Sampa eram sua bacanuda câmera fotográfica, que ele empunhava sem transparecer muito medo de ser assaltado ou de vê-la machucada pela multidão da 25 de Março. Tudo que lhe interessava, Neil clicava. Prédios com fachadas coloridas, principalmente. Mas ele não consegue ver as cores. Nenhuma! E no entanto, eram sempre elas que o interessavam…


Neil nasceu num mundo em preto-e-branco. Ele tem uma deficiência chamada acromatopsia, um tipo mais raro de daltonismo (nome que homenageia o químico inglês John Dalton, que descreveu o problema). Enquanto a maioria dos daltônicos não consegue enxergar algumas cores, aqueles que nasceram com acromatopsia só conseguem enxergar em tons de branco, preto e cinza. Mas Neil não é famoso por ter acromatopsia. Sua notoriedade está exatamente em ter burlado, de alguma forma, a deficiência. E o fez com a música.

Quando estávamos na estação , ele viu um menino tocando piano no metrô, se aproximou, observador, e pediu para tomar a vez no intervalo. Tocou com a desenvoltura de quem domina aquele instrumento desde os 11 anos. E me fez entender de onde ele tirou inspiração para criar o Eyeborg. Entre seus estudos de música na Irlanda e na Inglaterra, Neil flertou com a cibernética e criou o projeto para desenvolver uma tecnologia que permitisse a ele reconhecer as cores que ele não podia enxergar através dos sons.

O resultado foi um chip inserido no seu cérebro, conectado a uma câmera que fica suspensa perto de sua testa. Com ela, o Eyeborg registra as cores que aparecem logo a frente e transforma-as em ondas sonoras. Neil memorizou as frequências relacionadas a cada cor. E, com a ajuda de um desenvolvedor de softwares que ele conheceu numa das caronas que pegou pela Europa (!!!), Neil chegou a uma versão do Eyeborg que o permite distinguir entre 360 nuances de cor diferentes, com a ajuda das frequências sonoras e do volume do som que ele ouve em sua cabeça.

Neil esteve no Brasil em fevereiro para se apresentar na Campus Party 2012. Seu nome é reconhecido como o primeiro cyborg do mundo. Não cheguei a perguntar a ele, diretamente, como surgiu esse título. Mas, em suma, foi o seguinte: o aparelho sobre sua cabeça causou problemas na hora me que ele foi tirar a foto para renovar seu passaporte britânico. Ele não podia ser clicado com eletrônicos aparentes. Ele teve, então, que fazer o maior esforço para convencer de que aquela camerazinha fazia parte de seu corpo e com cartas de médicos, de amigos e da Universidade, ele conseguiu o reconhecimento. E pode, finalmente, bater a foto e renovar seu passaporte de UK.

Neil, além de viajar o mundo falando sobre seu Eyeborg, desenvolve também projetos envolvendo música e arte a partir da tecnologia de reconhecimento de cores que ele criou. Ele transforma música em quadros coloridos e cria “retratos sonoros” de pessoas importantes (dá uma olhada no vídeo!). O resultado é bem bacana, não é? Principalmente dos retratos, na minha opinião… E faz a gente pensar nas inúmeras formas possíveis de enxergar o mundo ao nosso redor. E eu fiquei morrendo de vontade de saber qual seria a combinação de sons eu sou. Será que sou grave ou aguda? Harmônica ou desafinada? Bom, tive que me contentar em saber que sou laranja 😉

(Ah, no final de nosso passeio por Sampa, caímos na Estação da Luz bem no meio de uma folia de pré-carnaval. Neil ficou por bastante tempo prestando atenção nos sambistas tocando e, então, eu não resisti e perguntei: “Que cor tem o samba?”. “Azul turquesa”, ele disse. Achei que podia ser laranja também… hehe)

 

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