Conheci o Acaso por acaso. Foi quando eu dei um primeiro passo, supostamente no escuro, mas consciente de que esse passo abriria caminhos. Uma co-incidência de encontros casuais, com elementos que passariam desapercebidos, não estivesse Ele imbuído da filosofia do Acaso e Eu, disposta a descobri-la. Ou melhor, sedenta por isso.
Num mundo em que o destino manifesto, o destino divino, ou qualquer outro destino reinam como os senhores de todos os trajetos, de todos os encontros, de todas as vontades, o Acaso surgiu como um emancipador em minha vida. Não que ela fique mais fácil de entendê-la assim, pelo contrário. As coisas pesam menos nas mãos do destino. E, ao mesmo tempo, quando creditadas a ele, tomam a dimensão de uma eternidade. Como algo que SÓ poderia ter acontecido daquele jeito, naquelas circunstâncias e em mais nenhuma. Mas quem se descobre ditando escolhas e caminhos, quem deixa pegadas e fareja algo sublime por trás da suposta mesmice do mundo… aaahhh…. esse não se deixa mais levar pela mão leve do destino. Prefere o peso das próprias mãos. Mãos que tateiam, que giram maçanetas, que apertam botões e outras mãos a tatear. E que sabem que não existe uma possibilidade única de portas se abrindo, de coisas funcionando, de mãos se tocando e se entrelaçando. Não existe “O” destino.
Admitam! Só “esbarram” nas supostas coincidências da vida aqueles que se permitem vê-las e reconhecê-las. O Acaso é a verdadeira mágica!
“Durante a viagem de volta de Zurique a Praga, Tomas sentiu-se mal com a ideia de que seu encontro com Tereza tivesse sido o resultado de seis encontros improváveis. Mas, muito pelo contrário, será que um acontecimento não se torna mais importante e carregado de significados quando depende de um número maior de circunstâncias fortuitas? Só o acaso pode ser interpretado como uma mensagem. (…) Somente o acaso tem voz.
Estava sozinho numa mesa diante de um livro aberto. Levantou os olhos para ela e sorriu: – Um conhaque, por favor. Nesse momento o rádio tocava uma música. Tereza foi buscar o conhaque no bar e girou o botão do aparelho para aumentar o volume. Havia reconhecido Beethoven. Ela o conhecera desde que um quarteto de Praga tinha vindo à pequena cidade fazer uma temporada. A sala estava vazia. Viu-se sozinha com o farmacêutico e a mulher. Havia portanto um quarteto de músicos no palco e um trio de ouvintes na sala, mas os músicos tinham tido a gentileza de não cancelar o concerto e de tocar só para eles. Em seguida, o farmacêutico convidou os músicos para jantar e chamou a ouvinte desconhecida para juntar-se a eles. Desse dia em diante Beethoven tornou-se para ela a imagem do mundo ao qual aspirava pertencer.
No momento, enquanto voltava do balcão com um conhaque para Tomas, esforçava-se para decifrar esse acaso: como era possível que, no exato instante em que se preparava para servir um conhaque a esse desconhecido que lhe agradava, estivesse ouvindo uma música de Beethoven? O acaso tem suas mágicas, a necessidade não.
(…)
– Você pode incluir isso na minha conta do hotel? – perguntou ele.
– Claro. Qual é o número de seu quarto?
Ele lhe mostrou uma chave presa numa placa de madeira em que havia um número seis escrito em vermelho.
– Engraçado, você está no seis.
– O que existe de engraçado nisso? – perguntou ele.
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