Minhas Folhas de Relva

percepções do cotidiano em letras livres

Açaí com leite ninho, granola e uma conversa sobre um mundo dividido 24/07/2013

No Rio, açaí se come num esquema meio self-service: você paga pelo copo (300, 400, 500mL) e coloca as coberturas que quer. Imagine um pote todo de leite ninho, pra eu botar o quanto eu quisesse! Em Arraial do Cabo, mergulhamos totalmente na tarefa de colocar quanto mais coberturas extras pudéssemos. Minha atenção só ficou dividida quando ouvi uma língua estranha. Seria alemão? Holandês? Chamei a atenção do Wanja, pra ele identificar. Era alemão! E ele foi se servir de uma dose de algo familiar, depois de quase duas semanas só falando em inglês comigo e ouvindo português dos outros.

Nem sentimos o gosto do açaí. Quando vi, havíamos terminado nossos potes, mais interessados na conversa com aquele casal (eu estava conversando com a mulher – brasileira, claro!). Convidados para tomar uma breja num bar à beira-mar, fomos. Foi quase uma entrevista com Timo, o alemão (em inglês, claro!). Como não querer entrevistar a primeira pessoa que eu encontrei na vida que cresceu num país socialista????

O muro

O muro

Timo nasceu e passou sua infância e adolescência na Berlin oriental. Para ele, isso explica porque ele é uma pessoa que gesticula e sorri mais do que imaginamos do alemão comum. Os alemães do leste são assim – para os alemães (Telma, a brasileira, acha que todos continuam mais frios do que estamos acostumados rs). Timo cresceu sem as pressões do capitalismo. A fábrica onde o pai dele trabalhava era de todos. Mas ele não podia sair dali. Imaginava o outro lado do muro, pelo qual ele passava todos os dias a caminho da escola. Quando o Muro de Berlin caiu, a primeira coisa que ele fez foi pegar um carro com um amigo e atravessar aquela linha – finalmente, imaginária – sem medo de levar um tiro ou colocar o pai dele em apuros por isso.

Mas, para Timo, o muro só caiu materialmente, continua na cabeça dos alemães. Ainda existe um preconceito entre os do leste e os do oeste. Estes não quiseram aprender o que aqueles já sabiam. Assumiam que, do socialismo, nada prestava. Quando eles quiseram reformar o sistema educacional alemão e foram à Finlândia aprender com eles – diz Timo -, ao chegarem lá os finlandeses perguntaram “Tem alguém aí da Alemanha oriental?”. Havia (acho que um parente de Timo, que era professore fazia parte da comissão). E então os finlandeses disseram “Então porque vocês vieram até a gente? Perguntem a eles!”. Bem antes disso, o leste já aplicava os princípios educacionais nórdicos.

Não sei se essa história é verdade, mas foi o que Timo me contou para exemplificar como nem tudo no socialismo era ruim, e como eles eram vistos naquele momento da História, de suposta reintegração. O leste foi engolido pelo capitalismo e Timo procurou aplicar na sua vida os valores que ele aprendera na juventude, com seu país (que hoje não existe mais) e com seus pais. Não queria se deixar engolir também.

Hoje, ele mora em Potsdam, vizinha de Berlin e que pertencia à República Democrática da Alemanha, no lado leste. Faz questão de estar em solo familiar. Engenheiro civil, ele tem um escritório de engenharia e arquitetura com uma bela vista para um lago da cidade. Emprega cerca de 20 funcionários e incentiva a interação de todos eles, para criar um ambiente de trabalho e de convivência saudáveis. E se chega uma moça, por exemplo, de vinte e poucos anos, sem filhos, pedindo emprego, ele não a contrata. Dá preferência a outra, também qualificada, que tenha filhos pequenos. Ele sabe que será difícil para ela conseguir emprego em outro lugar. Se ela precisa trabalhar meio período para ficar com o filho em casa, eles negociam um horário flexível no escritório.

Essa é a filosofia de Timo, que ele herdou do seu passado, da sua família. “Meus pais lutaram juntos por um mundo melhor. E é o que eu faço”. Pensei que queria ter conhecido seus pais e sua infância num mundo que se fechou para o resto (ou que foi fechado pelo resto), mas que acreditava na igualdade. Pensei que aquela brasileira do Rio que estava sentada com a gente à mesa teve muita sorte em encontrar alguém com a filosofia de Timo para partilhar a vida e os anseios. E eu pensei que casamento deve ser isso: uma parceria que inspire a construir um mundo melhor.

Pela primeira vez na minha vida, acreditei na ideia de casamento. Se um dia essa parceria surgir, talvez meu pai me veja de vestido caminhando até algum altar – qualquer um. E, com essa conversa, minhas ideias a respeito se pacificaram e meu peito se encheu de esperança no amor, na vida, no mundo. Mais doce que açaí com granola e leite ninho.

 

Um direito de… todos 04/04/2013

Filed under: Comportamento,Cotidiano — Aline Moraes @ 7:14 PM
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Um homem diz: “eu sou mulher“.
Casal de homem e mulher diz: “nós somos lésbicas“.
Uma senhora diz: “sou transexual“.
Casal de mulheres diz: “heterossexual!”
Uma mulher com dois filhos diz: “eu sou pai
Um casal de homens diz: “somos esposas“.
Uma família toda (pai, mãe, um filho, uma filha e um cachorro) diz, em coro: “gay!

* * *

Misturando gêneros, papeis, identidadesorientações sexuais, este vídeo produzido na Itália desafia os preconceitos e estereótipos, e comunica o princípio do Casamento Igualitário: o direito é de todos. Muito boa a ideia da campanha! E se você fosse outro???

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Say “Hi!” instead of “Why?”

Filed under: Comportamento,Cotidiano — Aline Moraes @ 11:08 AM
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Ontem, Jean Wyllys estava no Saia Justa discutindo com a mulherada sobre Casamento Homossexual. Ou bem melhor dizendo, Casamento Igualitário. Qualquer opinião ou regulamentação deve passar pelo princípio do respeito às liberdades individuais. Goste ou não, respeite e aceite. Não lute para impedir que cada um viva a vida a seu próprio modo.

Duas moças que participaram do povo-fala sobre o casamento igualitário usaram o argumento da “família”. Estão destruindo o conceito de família! Mas, veja só que interessante: Até o século 17, o casamento era um contrato de negócio, ou de conveniência. Só então as pessoas conquistaram o casamento por amor. Mas ainda não era possível se divorciar caso o amor tivesse acabado. Apenas recentemente esse direito foi adquirido perante a justiça e a sociedade. Os conceitos mudam mesmo. De casamento, de família. E estão mudando de novo. Quem tem aí seus 20  ou 30 anos, saiba que, quando tiver filhos na escola, vai topar na reunião de pais com casais homossexuais, já vá se acostumando com a ideia, se ela te choca. Seus filhos certamente crescerão mais tolerantes nesse sentido, porque o mundo assim será.

Hoje de manhã, minha Mamis me questionou como eu me sentiria se ela, no alto de seus 53 anos, revelasse que é, na verdade, gay (ela estava falando isso por causa do caso da Daniela Mercury). E se, mais tarde, ela aparecesse com uma namorada. O que eu sentiria? Aceitaria? Seria muito difícil, mas eu teria de aceitar. Se eu conseguiria conviver com elas? A princípio talvez não. Toda mudança drástica, e que mexe com nossas estruturas, exige esforço para ser compreendida e aceita. Leva tempo. Mas eu teria que aprender a aceitar e conviver. Ou, simplesmente, me afastaria da minha mãe e sairia perdendo. Ela é que não iria mudar de opção sexual por minha causa. Como diz a música que o cantor Sonny (que foi marido de Cher) escreveu: “esse mundo tem muito espaço e se eles não gostam da minha cara, não serei eu a sair daqui.” No melhor estilo “os incomodados que se mudem”.

Então, lembrando as discussões sobre casamento igualitário, que estão pipocando pelo mundo todo, marcando um novo momento na história do casamento e da família, deixo aqui o clipe da música Laugh At Me (“ria de mim”, em português) e a mensagem que ela deixa no final: por que não dizer “Oi!”ao passar por quem é diferente ao invés de questionar “Por quê”?

* * *

* * *

This world’s got a lot of space
And if they don’t like my face
It ain’t me that’s going anywhere, no

So I don’t care
Let ‘em laugh at me
If that’s the fare
I have to pay to be free

Then baby, laugh at me, and I’ll cry for you
And I’ll pray for you
And I’ll do all the things
That the man upstairs says to do

I’ll do ‘em for you
I’ll do ‘em
I’ll do ‘em all for you

It’s gotta stop someplace
It’s gotta stop sometime

I’ll make sure that she’s mine
And maybe the next guy
That don’t wear a silk tie
He can walk by and say hi

Say, hi
Instead of why
Instead of why
Instead of why babe

Instead of why