Minhas Folhas de Relva

percepções do cotidiano em letras livres

A história maravilhosa do Acaso 19/02/2013

Filed under: Comportamento,Cotidiano,Divã — Aline Moraes @ 12:49 AM
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Conheci o Acaso por acaso. Foi quando eu dei um primeiro passo, supostamente no escuro, mas consciente de que esse passo abriria caminhos. Uma co-incidência de encontros casuais, com elementos que passariam desapercebidos, não estivesse Ele imbuído da filosofia do Acaso e Eu, disposta a descobri-la. Ou melhor, sedenta por isso.

Num mundo em que o destino manifesto, o destino divino, ou qualquer outro destino reinam como os senhores de todos os trajetos, de todos os encontros, de todas as vontades, o Acaso surgiu como um emancipador em minha vida. Não que ela fique mais fácil de entendê-la assim, pelo contrário. As coisas pesam menos nas mãos do destino. E, ao mesmo tempo, quando creditadas a ele, tomam a dimensão de uma eternidade. Como algo que poderia ter acontecido daquele jeito, naquelas circunstâncias e em mais nenhuma. Mas quem se descobre ditando escolhas e caminhos, quem deixa pegadas e fareja algo sublime por trás da suposta mesmice do mundo… aaahhh…. esse não se deixa mais levar pela mão leve do destino. Prefere o peso das próprias mãos. Mãos que tateiam, que giram maçanetas, que apertam botões e outras mãos a tatear. E que sabem que não existe uma possibilidade única de portas se abrindo, de coisas funcionando, de mãos se tocando e se entrelaçando. Não existe “O” destino.

Admitam! Só “esbarram” nas supostas coincidências da vida aqueles que se permitem vê-las e reconhecê-las. O Acaso é a verdadeira mágica!

“Durante a viagem de volta de Zurique a Praga, Tomas sentiu-se mal com a ideia de que seu encontro com Tereza tivesse sido o resultado de seis encontros improváveis. Mas, muito pelo contrário, será que um acontecimento não se torna mais importante e carregado de significados quando depende de um número maior de circunstâncias fortuitas? Só o acaso pode ser interpretado como uma mensagem. (…) Somente o acaso tem voz.

Estava sozinho numa mesa diante de um livro aberto. Levantou os olhos para ela e sorriu: – Um conhaque, por favor. Nesse momento o rádio tocava uma música. Tereza foi buscar o conhaque no bar e girou o botão do aparelho para aumentar o volume. Havia reconhecido Beethoven. Ela o conhecera desde que um quarteto de Praga tinha vindo à pequena cidade fazer uma temporada. A sala estava vazia. Viu-se sozinha com o farmacêutico e a mulher. Havia portanto um quarteto de músicos no palco e um trio de ouvintes na sala, mas os músicos tinham tido a gentileza de não cancelar o concerto e de tocar só para eles. Em seguida, o farmacêutico convidou os músicos para jantar e chamou a ouvinte desconhecida para juntar-se a eles. Desse dia em diante Beethoven tornou-se para ela a imagem do mundo ao qual aspirava pertencer.

No momento, enquanto voltava do balcão com um conhaque para Tomas, esforçava-se para decifrar esse acaso: como era possível que, no exato instante em que se preparava para servir um conhaque a esse desconhecido que lhe agradava, estivesse ouvindo uma música de Beethoven? O acaso tem suas mágicas, a necessidade não. 
(…)
– Você pode incluir isso na minha conta do hotel? – perguntou ele.
– Claro. Qual é o número de seu quarto?
Ele lhe mostrou uma chave presa numa placa de madeira em que havia um número seis escrito em vermelho.
– Engraçado, você está no seis.
– O que existe de engraçado nisso? – perguntou ele.
(more…)

 

O necessário fardo de ser x a insustentável leveza 15/02/2013

Filed under: Comportamento,Cotidiano,Divã — Aline Moraes @ 10:47 PM
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Domingo eu completo 26 anos de vida. Os últimos dois valeram por vários. Anos de descoberta, de libertação (mas também de novas amarras), de experimentação, de sofrimento, de júbilo. Deixar-se descobrir, aceitar suas excentricidades e deixar que os outros te descubram, te aceitem… Taí uma tarefa difícil… Afinal, “permitir-se” carrega, ao mesmo tempo, o fardo dos julgamentos, dos estereótipos e dos excessos. Peso ou leveza, qual desses dois opostos é melhor? Acabei de começar a ler Kundera pela segunda vez e é esse um dos primeiros questionamentos que ele faz no livro:

* * *

“O mais pesado fardo nos esmaga, nos faz dobrar sob ele, nos esmaga contra o chão. Na poesia amorosa de todos os séculos, porém, a mulher deseja receber o peso do corpo masculino. O fardo mais pesado é, portanto, ao mesmo tempo a imagem da mais intensa realização vital. Quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está nossa vida, e mais ela é real e verdadeira.

Por outro lado, a ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que ar, com que ele voe, se distancie da terra, do ser terrestre, faz com que ele se torne semi-real, que seus movimentos sejam tão leves quanto insignificantes. Então, o que escolher? O peso ou a leveza?”

* * *

Esse é o meu dilema pré-Balzaquiano. Aqueles que escolhem o pesado sentem a pressão de serem leves. De flutuarem incólumes pela sociedade. De não se exporem. De não mostrarem sua face feia ou esquisita ou excêntrica. Uma pluma que nunca pousa sobre superfície alguma. E por escolherem o outro lado, acabam incompreendidos – ou mal interpretados. Eu sou dessas que não flutua. E vivo em conflito entre esses dois pólos contraditórios de Kundera. Mas aí ouço Macy Gray dizendo que “você tem que expressar o que é tabu em você, e compartilhar suas esquisitices com o resto do mundo. Porque é uma coisa linda!”. E, concordando, eu canto junto, satisfeita por fazer minhas próprias revoluções internas…
* * *

* * *
Segue a letra:

Everybody shake it! Time to be free amongst yourselves. Your mama told you to be discreet and keep your freak to yourself. But your mama lied to you all this time. She knows as well as you and I you’ve got to express what is taboo in you, and share your freak with the rest of us. ‘Cause it’s a beautiful thing!

Everybody break it! Every rule, every constriction. My papa told me to be home by now, but my party has just begun. Maybe he’ll understand that I got to be the freak that God made me. So many things that I want to try. Got to do them before I die.